O Governo PSD/CDS apresentou esta semana o seu programa, cujo cerne era já conhecido face à postura de engajamento às receitas da troika por parte dos dois partidos. Não se descortina neste programa um mínimo esforço na busca de políticas capazes de minorar o sacrifício, que se perspectiva de enorme violência para milhares e milhares de trabalhadores, de reformados e pensionistas, de pequenos empresários. O discurso do primeiro-ministro (PM) na Assembleia da República (AR) veio dar-nos mais sinais do que significa na sua concepção e propósitos, "ir mais além" que as medidas da troika.
Trata-se de um programa de empobrecimento generalizado dos portugueses, nas condições específicas de vida de cada um e, colectivamente, naquilo que a sociedade portuguesa regredirá no seu processo de desenvolvimento. E esse empobrecimento será causa e efeito de um proliferar de injustiças, gerando mais desigualdade e mais pobreza.
Ali está um forte ataque aos direitos laborais e sociais dos trabalhadores e dos cidadãos em geral; a flexibilização desmedida da legislação laboral e o aumento da precariedade; a perspectiva de mais algumas dezenas de milhares de despedimentos na Administração Pública; a subversão do sistema público de Segurança Social transformando-o num sistema de base assistencialista e caritativa; a "liberdade de escolha" na Saúde que conduzirá, inevitavelmente, a condições mínimas para os pobres e ao desenvolvimento da velha receita liberal de que quem quiser saúde (com qualidade) paga-a.
Cada trabalhador e trabalhadora e a maioria dos portugueses empobrece com os cortes na retribuição do trabalho, com o desemprego e o abaixamento da qualidade do emprego, com o aumento de impostos e os cortes nas pensões sociais.
O país empobrece colectivamente com a recessão económica, com o desemprego, com o empobrecimento individual de cada cidadão, com a fragilização dos serviços públicos fundamentais. Há que acrescentar os efeitos de empobrecimento colectivo resultante da "reestruturação do sector empresarial do Estado" e do programa de privatizações.
A pobreza de hoje, em sociedades democráticas, não é apenas o resultado de fragilidades no plano económico. É, em grande parte, a ausência de direitos sociais e laborais.
A este propósito refira-se que o Governo (discurso do PM) anuncia um "Programa de Emergência Social" para "vir em socorro daqueles que mais precisam": "as crianças e os idosos, as mulheres com filhos a seu cargo, os desempregados que viram cessar o subsídio de desemprego e não encontram trabalho, as pessoas com deficiências". Este programa é uma peça do ataque ao sistema universal e solidário da Segurança Social.
Estamos de acordo em proteger os mais frágeis, mas nesta proposta a generalidade das pessoas referidas surgem já excluídas do acesso a direitos sociais fundamentais que lhes davam dignidade, protecção e responsabilização. É uma nova situação de exclusão e, como "o pobre tem má reputação", até identificarão umas actividades para o obrigar a "serviço cívico" e uns serviços de fornecimento de roupas e alimentos para que esses marginalizados não estraguem o dinheiro da caridade.
A esquerda social e política não pode ter atitudes condescendentes face a este programa.
No seu discurso, o PM disse que "uma sociedade aberta e democrática é também uma sociedade onde a economia sabe representar as aspirações de quem trabalha, de quem investe, de quem faz planos para a sua vida", sendo preciso "associar a democracia representativa a uma economia representativa". Tendo presente as concepções do Governo sobre a economia (tudo nas mãos do privado e das leis do mercado), sabendo-se que o trabalho tem outras dimensões para além da económica e, acima de tudo, que a democracia é política, social e cultural, estamos perante uma afirmação subversiva do conceito de democracia.
Acrescente-se uma boa observação sobre as concepções e propostas do Governo no que se refere à educação e ao ensino, à cultura, ao papel do Estado e não restam dúvidas quanto à necessidade de se construir caminhos alternativos.
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