sexta-feira, 29 de julho de 2011

Lido por aí... # 19

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"Confiscos", artigo de opinião de José Manuel Pureza, publicado hoje no Diário de Notícias:

Eu lembro-me. Foram eles os quatro que se reuniram, há quatro meses, com o Governador do Banco de Portugal depois de quatro entrevistas em prime time em quatro dias seguidos. À saída, os quatro banqueiros comunicaram ao País que decidiam cortar o crédito ao Estado e que era tempo de vir a troika. Agora, quatro meses volvidos, o directório dos bancos vem rasgar as vestes perante o programa da mesma troika. Que "não faz sentido" para o sector financeiro. Que tem de ser "repensado de alto a baixo", porque é "um confisco aos accionistas".

Os banqueiros que deram ordem de entrada à troika estão com medo. O contínuo apoio do Estado foi o ansiolítico que os fez vencer todos os testes de stress: com um tratamento fiscal obscenamente vantajoso por comparação com qualquer pequena empresa, não há stress que os abale. Agora, vêm exigir que o mesmo Estado lhes pague as dívidas, como condição sine qua non para termos sistema bancário amanhã. Ao mesmo Estado que injectou no BPN dois mil milhões de euros - número mágico para desvios colossais, está visto -, para evitar que a gestão ruinosa de um banco contaminasse todo o sistema. Ao mesmo Estado que lhes garantiu 12 mil milhões para capitalização e 35 mil milhões para liquidez e que até se apresta a lavrar em orçamento rectificativo a sua fidelidade ao prometido. É preciso ter lata. O que o Estado deve aos bancos, contraíram-no eles com juros de 2% junto do Banco Central Europeu, para depois cobrarem 6% e 7% ao Terreiro do Paço. São, além do mais, dívidas com uma maturidade pré-fixada. É pois a antecipação de um pagamento garantido que os bancos exigem a quem impuseram já um diferencial de juro que roça a agiotagem.

Mas o medo deles não é, nem por um momento, que o Estado lhes seja agora infiel. Têm todas as razões para não stressar com esse fantasma. Não, o que eles realmente temem é que, uma vez sem exemplo, se tenha aprendido a lição da crise e se actue onde ela foi gerada. A imposição de um reforço da proporção de capitais próprios face a activos de risco e da proporção entre depósitos e empréstimos, para prevenir futuros Lehman Brothers e quejandos, foi louvável enquanto não passou de retórica. Levá-la a sério e passá-la mesmo à prática ameaça diminuir os dividendos distribuídos no fim de cada exercício. E ameaça obrigar os accionistas a canalizar para reinvestimento nos bancos o que lhes renderia muito mais noutras aplicações, como o ouro por exemplo. Que, afinal, isto seja mesmo para valer, é algo que os quatro banqueiros não querem acreditar.

O algodão não engana, diz o anúncio. E o Governo está perante o seu teste do algodão: vai ou não vai ceder à guerra preventiva ardilosamente desencadeada pelos donos dos bancos? Vai ou não levar até ao fim a exigência de recapitalização, forçando, se necessário for para o efeito, uma limitação da distribuição de dividendos aos accionistas? Ou vai, pela enésima vez, mostrar que este país é para os bancos e que não há stress que belisque essa relação amorosa? Vai sinalizar que ninguém pode considerar-se isento de sacrifícios neste momento da vida do País, ou vai pôr ainda mais a nu que a austeridade que defende é assimétrica e injusta?

O que os quatro banqueiros, que mandaram vir a troika, dizem ao País é que não concebem actuar num sector em que o prejuízo aconteça mesmo. Vão ter de explicar isso aos milhares de pequenos empresários que caem, dia após dia, em insolvência. Dizem os quatro banqueiros que é um confisco dos accionistas o que aí vem. Vão ter de nos explicar a todos por que é que o confisco deles não pode acontecer e o nosso é uma inevitabilidade.


One World One Revolution

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sábado, 23 de julho de 2011

A vida é fodida

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Amy Winehouse (14 de Setembro 1983 - 23 de Julho 2011)





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Todo o terrorismo, seja qual for a sua origem ou motivação, apenas merece a nossa veemente condenação

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Miguel Serras Pereira escreveu hoje, em pouco mais de uma dúzia de linhas, o essencial do que poderíamos dizer sobre os atentados na Noruega.

O horror e a morte de cidadãos inocentes não são compatíveis com redundâncias discursivas, pelo que nos limitamos a reafirmar que todo o terrorismo, seja qual for a sua origem ou motivação, apenas merece a nossa veemente condenação.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Entre nós e as palavras # 26


Gosto do momento, exacto ou nem por isso,
em que se torna possível colar cartazes
nas paredes ao lado dos meus ombros (espero
o autocarro, vejo devagar, sorrio). Mas
gosto, sobretudo, dos cães quase sem dono
que roçam as esquinas, pisando restos de garrafas
- ou das pessoas que desconheço
e das bebidas todas que ignoro
(porque me matam menos e se chamam
- como eu - insónia, pesadelo, golpe baixo).

Existem, claro, raparigas louras um tanto
heteredoxas que não te apetece beijar
(a forca do bâton, perfeita - o cigarro aceso
pedindo outro lume). Essas mesmas que hão-de
um dia procriar com zelo, evitando rugas,
tumores e o mundo como representação misógina.
Mais lírica, sem dúvida, é a lavagem das ruas,
com a cerveja a premiar a farda
demasiado verde e os bigodes de serviço.

Outros, alguns, tornam concreto o torpor
de um charro e pedem-te em crioulo básico
um cigarro português que tu vais dar,
sem esforço nem palavras. Entre shots, piercings,
t-shirts de Guevara e gel, podes não acreditar
por algumas horas no axioma frágil do teu corpo.
Esfumas-te, como eles, no espelho de um bar
qualquer, país de enganos e baratas. E
quase gostas disso, quase: a música de punhais,
servil, um certo e procurado desencontro.
Um táxi te ensinará depois o caminho de casa
- ou o seu contrário, pois só ali (anónimo
e desfocado) eras finalmente tu, ou podias ser.

O resto, a vida, fica para outra vez.

Manuel de Freitas - "Ode à noite (inteira)"
 
 
(Fotografia: Jan Saudek - "Untitled (transparent man at night)"
 

domingo, 10 de julho de 2011

Hoje: Encontro Internacional sobre o movimento de indignação e revolta na Europa

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I Parte

Retrato da Situação Europeia

Prioridades

Estratégias de mobilização e Protesto

15h Introdução

15h05 Gunnar Sigurdsson (Open Civic Forum of Iceland)

15h25 Grécia (Comissão Internacional Praça Syntagma Athenas – Alex Theodorakis, Stella Papadaki, Labros Moustakis)

15h45 Espanha* (Acampada Salamanca – Catarina Santos)

16h05 Bélgica (Acampada Bruxelas – Ben Borges)

16h25 Inglaterra (Acampada Brighton – Tamara)

16h45 Portugal: Acampadas de Aveiro, Coimbra, Faro e Lisboa

17h30 Pausa

*Ainda por confirmar Acampadas de Badajoz, Madrid e Barcelona


II Parte

Dívida, Auditoria e Planos de Austeridade

Novas formas de participação democrática

17h45 Ainda por confirmar – Stephanie Jaquemont (Representante do secretariado internacional do CADTM)

18h20 Gunnar Sigurdsson (Open Civic Forum of Iceland)

18h40 Grupos e movimentos portugueses: ATTAC, UNCUT, Precários Inflexíveis, M12M, 15M, 19M

19h35 Debate aberto

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sábado, 9 de julho de 2011

A cantiga é uma arma (contra o estado geral de bovinidade) # 9

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"Acordai" - Fernando Lopes Graça (música), José Gomes Ferreira (letra)

Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raíz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!

Hoje: Pic-nic contra a precariedade

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11h00 - Performance de abertura

11h30 - Mesas Redondas

13h00 - Pic-nic

14h30 - Debate: Direitos Laborais, Precariedade e Desemprego

17h30 - Carta Aberta

18h00 - Concertos: Peste & Sida, Chullage...
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Episódios da lixeira neoliberal # 2

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"O movimento dos neo-indignados", texto de José M. Castro Caldas publicado no Ladrões de Bicicletas, merece divulgação e aplauso pelo modo exemplar como critica a hipócrita indignação da direita portuguesa/europeia face às agências de rating:

Nasceu ontem, desde que se soube que a Moody’s nos reduziu a lixo, um novo movimento: o dos neo-indignados.

Ele é o Presidente, ele é Passos Coelho, ele são os banqueiros, eles são os comentadores da TV… São todos. Até a madrinha alemã e as suas primas da Europa fazem chegar postaizinhos de pêsames. Todos achavam ontem que as agências de rating desempenhavam uma função, ou pelo menos que faziam parte da paisagem. Pedro Guerreiro falou por todos eles, escreveu em bom português o manifesto dos neo-indignados.

A reacção lembra a do cônjuge traído – “dei-lhe tudo e agora isto?” Pois é, eu compreendo, ela é uma megera: foram anéis, contas bancárias, casas de férias e agora que acha que não vais conseguir pagar as dívidas vai-se embora – oh mercados ingratos!

Mas agora falando a sério para os neo-indignados. Digam lá: não chega já de brincar ao bom aluno para de passagem nos fazer engolir como terapia de choque o vosso programa de abertura aos negócios do espaço da provisão pública, de destruição do direito do trabalho e dos direitos dos trabalhadores, de consolidação dos privilégios com a reconstrução das barreiras de classe no acesso aos cargos públicos e privados, à escola, aos melhores espaços na cidade, a paraísos artificiais de férias permanentes na natureza?

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quinta-feira, 7 de julho de 2011

"Los nadies" de Eduardo Galeano

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Afinal parece que sempre existe uma "ditadura dos mercados"... a direita é que só hoje o descobriu


Se Cavaco Silva, Ricardo Salgado, Pedro Passos Coelho, Durão Barroso e todos os outros arautos dos "mercados" tivessem visto "Inside Job - A Verdade da Crise", hoje não teriam feito a figurinha triste que o João Ricardo Vasconcelos tão bem descreve no Activismo de Sofá.

Agora que a direita "descobriu" o lado maléfico das agências de rating e da especulação financeira, num exercício de indignação colectiva tão credível como as agências de notação, vale então a pena ver ou rever o documentário realizado por Charles Fergunson:


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sábado, 2 de julho de 2011

Lido por aí... # 18

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"Injustiça e empobrecimento", artigo de opinião de Carvalho da Silva, publicado hoje no Jornal de Notícias:

O Governo PSD/CDS apresentou esta semana o seu programa, cujo cerne era já conhecido face à postura de engajamento às receitas da troika por parte dos dois partidos. Não se descortina neste programa um mínimo esforço na busca de políticas capazes de minorar o sacrifício, que se perspectiva de enorme violência para milhares e milhares de trabalhadores, de reformados e pensionistas, de pequenos empresários. O discurso do primeiro-ministro (PM) na Assembleia da República (AR) veio dar-nos mais sinais do que significa na sua concepção e propósitos, "ir mais além" que as medidas da troika.

Trata-se de um programa de empobrecimento generalizado dos portugueses, nas condições específicas de vida de cada um e, colectivamente, naquilo que a sociedade portuguesa regredirá no seu processo de desenvolvimento. E esse empobrecimento será causa e efeito de um proliferar de injustiças, gerando mais desigualdade e mais pobreza.

Ali está um forte ataque aos direitos laborais e sociais dos trabalhadores e dos cidadãos em geral; a flexibilização desmedida da legislação laboral e o aumento da precariedade; a perspectiva de mais algumas dezenas de milhares de despedimentos na Administração Pública; a subversão do sistema público de Segurança Social transformando-o num sistema de base assistencialista e caritativa; a "liberdade de escolha" na Saúde que conduzirá, inevitavelmente, a condições mínimas para os pobres e ao desenvolvimento da velha receita liberal de que quem quiser saúde (com qualidade) paga-a.

Cada trabalhador e trabalhadora e a maioria dos portugueses empobrece com os cortes na retribuição do trabalho, com o desemprego e o abaixamento da qualidade do emprego, com o aumento de impostos e os cortes nas pensões sociais.

O país empobrece colectivamente com a recessão económica, com o desemprego, com o empobrecimento individual de cada cidadão, com a fragilização dos serviços públicos fundamentais. Há que acrescentar os efeitos de empobrecimento colectivo resultante da "reestruturação do sector empresarial do Estado" e do programa de privatizações.

A pobreza de hoje, em sociedades democráticas, não é apenas o resultado de fragilidades no plano económico. É, em grande parte, a ausência de direitos sociais e laborais.

A este propósito refira-se que o Governo (discurso do PM) anuncia um "Programa de Emergência Social" para "vir em socorro daqueles que mais precisam": "as crianças e os idosos, as mulheres com filhos a seu cargo, os desempregados que viram cessar o subsídio de desemprego e não encontram trabalho, as pessoas com deficiências". Este programa é uma peça do ataque ao sistema universal e solidário da Segurança Social.

Estamos de acordo em proteger os mais frágeis, mas nesta proposta a generalidade das pessoas referidas surgem já excluídas do acesso a direitos sociais fundamentais que lhes davam dignidade, protecção e responsabilização. É uma nova situação de exclusão e, como "o pobre tem má reputação", até identificarão umas actividades para o obrigar a "serviço cívico" e uns serviços de fornecimento de roupas e alimentos para que esses marginalizados não estraguem o dinheiro da caridade.

A esquerda social e política não pode ter atitudes condescendentes face a este programa.

No seu discurso, o PM disse que "uma sociedade aberta e democrática é também uma sociedade onde a economia sabe representar as aspirações de quem trabalha, de quem investe, de quem faz planos para a sua vida", sendo preciso "associar a democracia representativa a uma economia representativa". Tendo presente as concepções do Governo sobre a economia (tudo nas mãos do privado e das leis do mercado), sabendo-se que o trabalho tem outras dimensões para além da económica e, acima de tudo, que a democracia é política, social e cultural, estamos perante uma afirmação subversiva do conceito de democracia.

Acrescente-se uma boa observação sobre as concepções e propostas do Governo no que se refere à educação e ao ensino, à cultura, ao papel do Estado e não restam dúvidas quanto à necessidade de se construir caminhos alternativos.
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