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Utilizando como base o esclarecedor manifesto publicado no dia 8 de Julho de 2012 no semanário Expresso, elaborado pelo cineasta António Pedro Vasconcelos, pede-se aos partidos do Governo e da oposição que travem a intenção de concessionar, encerrar, ou privatizar o serviço público de televisão portuguesa, RTP 1 e RTP 2.
Manifesto publicado no dia 8 de Julho de 2012 no semanário Expresso, elaborado pelo cineasta António Pedro Vasconcelos:
Em defesa do serviço público de rádio e de televisão
"A evolução da televisão ao longo das últimas décadas, com a multiplicação da oferta de canais, a passagem ao digital, a perigosa concentração em grandes grupos de comunicação, com o risco de promiscuidade entre política, negócios e informação, não diminuiu a legitimidade do serviço público na Europa e do seu insubstituível contributo para a democratização da sociedade. Pelo contrário, na maioria dos países europeus, o serviço público reforçou a sua legitimidade: multiplicou a oferta, reforçou a exigência de uma programação mais qualificada e atenta à inovação do que a dos seus concorrentes comerciais; tornou mais clara a exigência de uma informação isenta e plural; as preocupações com a programação cultural ou relacionada com os gostos das minorias e com os interesses sociais de reduzida expressão; a salvaguarda de programas e canais de limitado interesse comercial, mas importantes para toda a sociedade; a certeza de o seu capital ser nacional num quadro empresarial cada vez mais preenchido por multinacionais e poderosos operadores de telecomunicações; e o seu papel decisivo na indústria audiovisual.
De tal forma assim é que em nenhum outro país europeu, exceto em Portugal, o governo se propôs enfraquecer o serviço público de televisão, privatizando um dos seus canais nacionais. A prova é que a privatização de um canal de televisão não figura nem nas exigências da Troika, nem na agenda da União Europeia. O serviço público continua a ser considerado, agora mais do que nunca no quadro da televisão digital, um eixo estratégico de afirmação da língua, da cultura e da identidade de cada Estado, um instrumento da coesão social de cada país, através de um operador a quem todos – poder e opinião pública - reconhecem um insubstituível papel regulador do mercado, garante do pluralismo e promotor da diversidade e da qualidade dos conteúdos audiovisuais. E a quem os cidadãos sentem que podem pedir contas.
A verdade é que continuam plenamente válidos os sucessivos documentos de diversas instâncias europeias, apoiados num consenso de todas as famílias políticas da direita à esquerda, que vêm reafirmando que “um amplo acesso do público a várias categorias de canais e serviços constitui uma pré-condição necessária para o cumprimento das obrigações específicas do serviço público”.
Desta forma, os signatários, provenientes dos mais variados quadrantes políticos e ideológicos, exprimem a sua profunda discordância face à anunciada privatização de um dos canais da RTP, apelando ao governo e ao poder político para que, tal como aconteceu com a prometida privatização da agência Lusa, não concretizem essa decisão, cujos contornos têm inclusivamente provocado legítimas suspeições sobre a sua transparência.
Entendem também que esta espécie de bomba-relógio que paira sobre a RTP, acompanhada do anúncio do desmembramento dos seus meios de produção, compromete o futuro da empresa e está a prejudicar não apenas a prestação do serviço público, como impede o que devia ser sua a prioridade mais urgente: uma profunda reflexão sobre a forma de garantir o imperativo constitucional de independência face ao poder político e ao poder económico e a reforma a empreender na oferta do serviço público no quadro digital, acompanhando os modelos dos outros países europeus.
O governo, aliás, tem revelado uma preocupante falta de clareza e de coerência nas medidas anunciadas, geralmente avulsas e erráticas, pautadas pelo improviso e pelo desconhecimento do que está em jogo. A verdade é que, até hoje, o governo já falou de “alienação” e de “privatização”, sem que ninguém percebesse porquê nem para quê, e muito menos o que se pretende “alienar” ou “privatizar”, nem em que termos.
Além do mais, neste quadro, uma eventual privatização de um canal, sobretudo se conjugada com o anunciado fim da publicidade comercial na RTP, não representaria nenhuma diminuição dos custos do serviço público, que, de resto e ao contrário do que tem sido frequentemente propalado, são dos mais baixos da Europa.
Bem pelo contrário, sobretudo no atual contexto de grave crise económica e financeira, a presença de um novo operador comercial, certamente com uma programação adequada à sua necessidade de maximizar receitas publicitárias, teria dramáticas consequências na viabilidade dos restantes operadores do sector, bem como em todas as outras empresas de comunicação social e da indústria audiovisual, empobrecendo drasticamente a qualidade e a diversidade dos media portugueses.
Por outro lado, essa privatização envolveria o fim de muitos dos atuais programas da RTP, quer os programas que legitimamente procuram dirigir-se a todos os portugueses, quer alguns dos que se destinam aos públicos minoritários, que não encontram conteúdos idênticos na restante oferta televisiva por não ser essa a vocação dos operadores comerciais - e que, por isso, devem ser assegurados por um canal alternativo -, conferindo legitimidade e um importante papel regulador ao operador público.
Por todas estas razões, os signatários apelam ao bom senso dos partidos do governo e da oposição para que travem uma medida que carece de clareza e de racionalidade e que não pode em caso nenhum ser enquadrada no plano de privatizações, até porque a sua dimensão financeira seria despicienda e totalmente desproporcionada relativamente aos efeitos brutais sobre a indústria dos média e a qualidade e a isenção da informação, da formação e do entretenimento a que os portugueses têm direito.
Adenda ao manifesto “Em defesa do serviço público de rádio e de televisão”
Posteriormente à elaboração deste manifesto, foi anunciado pelo Governo, através do dr. António Borges, um novo cenário: a RTP2 seria encerrada e os demais canais de rádio e de televisão concessionados a um grupo privado.
Os signatários consideram:
1.
A concessão do serviço público de rádio e de televisão a uma empresa privada, que receberia não apenas a contribuição para o audiovisual como receitas publicitárias, induziria uma programação submetida a meros critérios de rentabilidade comercial, impossível de contrariar através de um caderno de encargos, o que comprometeria a qualidade e a diversidade exigíveis a um operador de serviço público.
2.
A compressão do serviço público de televisão em sinal aberto, num único canal, torna impossível o cumprimento das obrigações de programação actualmente cometidas aos dois canais, visando os interesses dos diversos públicos, maioritários e minoritários. O modelo agora proposto constitui, aliás, uma solução absolutamente insólita na Europa, onde apenas a Albânia e a Bulgária têm um único canal de televisão generalista.
3.
Este quadro provocaria ainda uma grave distorção das regras de concorrência com os restantes operadores privados.
4.
Acresce que esta solução não se encontra prevista no programa do Governo, nem sequer figura no memorando de entendimento com a “troika”.
5.
Além do mais, desrespeita a Constituição da República, que no seu artigo 38.º, n.º 5, estabelece: “O Estado garante a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão”; e, no artigo 82.º, n.º 2 consagra: “O sector público é constituído pelos meios de produção cuja propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas”.
6.
O projecto agora apresentado, sem paralelo na União Europeia, representa ainda um absoluto desrespeito pelos diversos documentos das mais variadas instâncias europeias que testemunham um vasto consenso politico, que o Estado português sempre acompanhou sem hesitações. Recorde-se que em vários documentos da União Europeia se sublinha que “um amplo acesso do público, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, a várias categorias de canais e serviços constitui uma pré-condição necessária para o cumprimento das obrigações específicas do serviço público de radiodifusão”.
7.
Ao abdicar da exigência de um operador de capitais exclusivamente públicos, esta proposta abriria caminho a que o próprio concessionário do serviço público pudesse ter uma maioria de capital estrangeiro, afectando a autonomia da informação e a soberania da língua e da cultura portuguesas de forma que se torna dispensável classificar.
8.
Os signatários entendem deixar claro que, seja qual for a “solução final” proposta pelo Governo, não aceitam qualquer medida susceptível de amputar, enfraquecer ou alienar a propriedade ou a gestão do serviço público de rádio e de televisão."