sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Lido por aí... # 22

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"A jorna", artigo de opinião de José Manuel Pureza, publicado no Diário de Notícias de hoje:

Passos Coelho inaugurou o tempo da novilíngua orwelliana como idioma oficial do Governo. Nunca um político tivera o rasgo de um slogan como o seu notável "Empobrecer o país e os portugueses para sairmos da crise". A coisa, aliás, é todo um programa: o ministro da Educação já fez saber que "quantas mais escolas fecharmos, mais cultos seremos", e ao responsável pelos transportes só faltou pôr em palavras explícitas o luminoso pensamento de que "quantas mais ferrovias encerrarmos, mais mobilidade teremos".

Num momento em que o desemprego atinge valores sem precedentes entre nós, o Governo decide aumentar o horário de trabalho em meia hora por dia ou duas horas e meia por semana. Sem acréscimos salariais, claro. Ou seja, trabalho gratuito exigido ao trabalhador. Bruto da Costa, Ferreira do Amaral e outros economistas sensatos já denunciaram que esta medida não terá qualquer impacto na competitividade das empresas de nenhum sector. Estamos pois perante uma decisão que terá como único efeito a justificação para dispensar mão-de-obra. Perito na arte dos contrafogos, este Governo combate assim o desemprego com mais desemprego. E cá está a novilíngua outra vez. Desta feita, porém, para além do génio da contradição, a coisa tem outro cariz: na verdade, no último século, nenhum país europeu aumentou o horário de trabalho com imposição da prestação de trabalho gratuito aos seus trabalhadores. A direita no Governo faz jus ao seu desígnio de ir até ao infinito e mais além, sendo que em Portugal se trabalha em média 38,2 horas por semana, mais meia hora que os alemães, uma hora que os ingleses e quase três horas a mais que os trabalhadores franceses.

Não chegámos aqui sem viagem. No passado recente, a pretexto das exigências de adaptabilidade, abriu-se a porta para máximos de 12 horas diárias e de 60 semanais, sujeitando porém a sua adopção a prévias negociações com os representantes dos trabalhadores. Este Governo dá um significativo passo adiante rumo ao extremismo: o aumento do tempo de trabalho passa a ser decidido unilateralmente pela empresa ou negociado com cada trabalhador individualmente, numa relação de forças totalmente desigual.

Mais ainda, o extremismo ideológico desta medida é reforçado pelo facto de a proposta governamental anular, relativamente a decisões empresariais de aumento do horário de trabalho respectivo, a actual obrigação de comunicação dessas deliberações à Autoridade para as Condições de Trabalho. O Governo mostra assim entender que horários de trabalho, alargamentos dos períodos de laboração, intervalos para descanso ou isenções de horário não têm de ser objecto de rigorosa fiscalização. Ou seja, em princípio aumenta-se em meia hora diária a jornada de trabalho. Mas se é mesmo isso ou mais, logo se vê. Afinal de contas, presume-se que é tudo gente boa...

É claro que nada disto tem rigorosamente nada a ver com combate ao endividamento do País. A dívida é um mero pretexto para a cruzada ideológica a favor do trabalho low cost. À privação de dois salários - os subsídios de férias e de natal - junta-se, com este alargamento da semana de trabalho de 40 para 48 horas sem custos adicionais com salários para as empresas, a privação de mais um. Justiça seja feita ao Governo: com esta medida, ele toma posição clara no debate em curso sobre a permanência dos países periféricos no coração da construção europeia - nós assumimos que ficamos fora porque o Governo opta por nos alinhar antes pelos padrões asiáticos de remuneração do trabalho.

O próximo passo poderá bem ser a diminuição do salário mínimo. Sempre em nome do sacrossanto mandamento da competitividade das empresas. As mesmas que o Governo afunda com a recessão purificadora.




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