quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Lido por aí... # 8


O movimento SOS Educação foi um dos protagonistas da campanha eleitoral das eleições presidenciais. Cavalgando a agenda de Cavaco Silva, num profícuo relacionamento simbiótico entre os promotores dos protestos e o candidato presidencial, o movimento demonstrou claramente quem o promove e que interesses se ocultam na sombra dos cartazes, dos balões e dos gritos ensaiados de dezenas de crianças e adultos.
O que realmente se oculta neste protesto, que Cavaco protegeu e caucionou, são os interesses de quem encara a educação como um negócio, preferencialmente católico e pago pelo Estado (ou seja, por todos nós).
Não contestamos que o Estado financie instituições de ensino privado em zonas onde não exista oferta pública, mas não pactuamos com os interesses de uma direita conservadora e confessional que clama publicamente por menos Estado mas que, simultaneamente e de forma velada, se alimenta e engorda com os seus recursos.

Sobre este assunto, transcrevemos dois textos que sistematizam o cerne desta questão e que vão ao encontro da posição que acima defendemos.
O primeiro, de Manuel António Pina ("Ensino privado, dinheiro público", publicado no JN) e o segundo, "Direita contra direita", da autoria de José M. Castro Caldas e publicado no blogue Ladrões de Bicicletas:

Ensino privado, dinheiro público

O Governo entende, e bem, que o Estado não deve financiar os colégios privados com contrato de associação (onde o ensino é, como nas escolas públicas, pago pelos contribuintes) com valores superiores àqueles com que financia as escolas públicas.

Mas os colégios querem mais, e, ontem, dirigentes de alguns deles, arrastando consigo pais e crianças (há notícia de casos em que as crianças que não foram a essa e a outras manifestações promovidas pelos colégios tiveram falta), depositaram caixões junto do ME, querendo com isso simbolizar a "morte" do ensino privado... por ter que viver com o mesmo com que vive o ensino público. É a "iniciativa privada" no seu melhor: sempre a clamar contra o Estado e, ao mesmo tempo, sempre a exigir subsídios e apoios.

Diz a ministra que o Estado não deve contribuir com dinheiro dos contribuintes para as piscinas, o golfe e a equitação de alguns colégios privados, e é difícil não lhe dar razão.

Mas talvez esta fosse boa altura para, finalmente, o ME ir mais fundo e apurar o destino que é dado em alguns desses colégios aos dinheiros públicos. Saber, por exemplo, se todas as verbas destinadas aos professores chegarão ao seu destino ou se, em certos casos, o Estado não andará a financiar, afrontando a Constituição, um ensino abusivamente selectivo e confessional, onde os professores têm, de novo só por exemplo, que "participar na oração da manhã na Capela".


Direita contra direita

A direita domina com grande mestria a arte de ser oposição a si mesma. Isto tem sido a chave dos seus sucessos eleitorais e continuará a ser enquanto não houver um número suficiente de pessoas que se aperceba da manha.
 
A direita quis um estado pequenino. Prometeu às “classes médias” que assim não teriam de pagar impostos. Muitos acreditaram, pensando que o Estado era só gordura e nenhuma produção e que teriam tudo a ganhar com o seu emagrecimento. A direita pediu e aplaudiu a austeridade, chorou por mais austeridade ainda com FMI em vez de governo. Muitos pensaram: “a austeridade só vai afectar os outros”.
 
Agora que a austeridade se começa a traduzir em incapacidade do Estado cumprir os seus compromissos e belisca interesses dos que pensaram que a austeridade só afectaria os outros - como sucede no caso do subsídio público às escolas privadas - a direita exercita movimentos de protesto ao estilo “tea party” com o aplauso dos políticos de direita. Mais episódios como este se seguirão, sem dúvida, dentro de momentos.
 
A austeridade recessiva, o tipo de consolidação do défice e da divida que não leva a lado nenhum, não pode deixar de suscitar protesto e resistência e bom seria que os economistas incorporassem esta variável nos seus modelos. Há, é claro, um protesto e a uma resistência que podem levar a algum lado: coesão europeia e consolidação pelo crescimento. Mas esse é o protesto que em toda a Europa tem como alvo a direita que aplaude a austeridade recessiva. Onde está essa direita? Em muitos sítios, mesmo em partidos ditos de esquerda. Mas há uma direita particularmente manhosa e perigosa a que é preciso estar atento agora mais do que nunca: a que representa o topo da pirâmide do rendimento e do poder económico, a que engordou no forrobodó financeiro, a que pensa tudo ter a ganhar com a via da austeridade recessiva e ainda por cima tenta cavalgar o descontentamento que essa mesma austeridade inevitavelmente origina.

Acrescento, para que não haja ambiguidades, que considero o corte nos subsídios ao ensino privado, onde não existe falta de oferta pública, inteiramente justificado e só não compreendo como é que isso não aconteceu há mais tempo. Parece-me também que se deveriam considerar, com cuidado, soluções de integração dos professores afectados na escola pública.



4 comentários:

  1. Sopinha
    por Andrea Peniche
    Sou suspeita de falar nestas coisas: fui criança no período revolucionário e frequentei sempre a escola pública. Talvez por isso não me repugnem nem os piolhos nem os lampiões no nariz e ache até ao interclassismo uma certa graça. Deve ser por essa razão que quando vejo as mãezinhas e os paizinhos empenhados na defesa do privilégio das suas crianças fico aborrecida.
    Como um grupo de jornalistas se dedicou a fazer jornalismo, hoje podemos afirmar que é falso o argumento de que não há alternativa pública à maioria das escolas privadas: Só 18 escolas privadas, das 94 com contrato de associação com o Estado, ficam a mais de 15 quilómetros de uma pública com o mesmo grau de ensino. (...) Cerca de 20 estabelecimentos privados ficam até a menos de um quilómetro dos seus equivalentes no público.
    Nada tenho contra as escolhas privadas pelo ensino privado. Cada um come do que gosta, mas há um prato, a sopinha, que tem de fazer parte de todas as refeições equilibradas. E a responsabilidade pelo provimento da sopinha é do Estado. Assim, se os papás e as mamãs não gostam da sopinha pública podem escolher a sopinha privada, não podem é pedir legumes subsidiados quando há sopinha pública à espera da sua prole.
    O problema da sopinha é que ela não chega para todos os meninos e meninas. Sócrates prometeu uma rede pré-escolar com capacidade para acolher todas as crianças com 5 anos. Acontece que as criancinhas, pasme-se, precisam de sopinha desde que nascem. E creches e infantários públicos é coisa que, na esmagadora maioria das localidades, ou não existe ou não abunda. A pouca resposta pública que há não chega para a cova de um dente. Por isso, era bom acabar com a subsidiodependência das escolas privadas e investir a sério em creches e infantários. Acho que a isso se chama igualdade de oportunidades.

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  2. Do barulho e da falta dele

    Já muito se escreveu neste blogue sobre a recente polémica em torno dos contratos de associação do sector privado com o Ministério da Educação. Muito haverá ainda por dizer, mas gostaria de deixar duas notas à margem da discussão:

    1. A blogosfera desempenhou um papel importante na denúncia do que estava em causa face à, no mínimo, pobre cobertura mediática. Inicialmente, a imprensa não fez mais do que dar conta das posições das duas partes, ministério e colégios. Posts como este, este ou este (da direita minimamente coerente) influenciaram claramente o rumo da cobertura mediática. Finalmente, os jornais perceberam que a esmagadora maioria destes colégios não serve nenhum propósito de provisão de ensino em regiões não cobertas pela rede pública. O próximo passo é tentarem compreender como funcionam estes colégios: condições de trabalho dos professores, métodos de selecção de alunos, organização interna das turmas, etc...

    2. É lamentável o silêncio da esquerda à esquerda do PS neste processo. Depois de se terem abstido na votação parlamentar, PCP e BE optam por não se pronunciar sobre a actual contestação (talvez ande distraído). A defesa da escola pública passa por denunciar estes contratos, mesmo que tal implique ser crítico dos críticos do Governo. Por outro lado, é de louvar a posição do Sindicato dos Professores da Região Centro, bastante clara sobre o que está em causa.
    Postado por Nuno Teles

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  3. Cinco coisas que nos ensina o "SOS Ensino"

    1. Perante os cortes nos apoios estatais às escolas particulares com contrato de associação, constata-se que os tão proclamados méritos da iniciativa privada e da livre concorrência dependem, afinal, da existência de dinheiros públicos. Ao sugerir o seu encerramento caso estes apoios diminuam ou cessem (chegando a depositar caixões simbólicos na 5 de Outubro), esta rede privada de interesses demonstra bem a sua vocação natural para a subsídio-dependência e revela, no fim de contas, que o sector só saber viver - como pulgas no dorso de um cão - à custa dos contribuintes;


    2. O Ministério da Educação apenas pretende estabelecer critérios de bom senso e gestão rigorosa dos dinheiros públicos: rever as reais necessidades de contratualização com escolas privadas (em função da comprovada escassez de oferta da rede pública em determinadas áreas), e desinflaccionar os exorbitantes apoios que têm sido concedidos ao ensino privado (referenciando-os a valores praticados no sistema público). Contudo, o movimento “SOS Ensino” e os seus defensores pronunciam-se como se estivesse em causa a proibição do ensino privado em Portugal. Isto é, como se o Estado estivesse a determinar administrativamente o encerramento das escolas particulares no nosso país. O que constitui, obviamente, uma despudorada campanha de desinformação da opinião pública, ilustrativa de um oportunismo abjecto e de uma completa falta de seriedade na contenda;


    3. Quando, no contexto das políticas de austeridade, o Ministério da Educação procede a cortes no orçamento das escolas públicas e no salário dos seus professores, consideram as escolas do movimento “SOS Ensino” dever ficar à margem dos sacrifícios, mantendo portanto a situação de claro privilégio em que têm vivido. Estes actores da tão aclamada “sociedade civil” revelam assim um egoísmo indecoroso e uma indiferença imoral perante as exigências a que o país se encontra sujeito, em clara contradição – aliás – com os mais basilares princípios da retórica religiosa que tantas destas escolas privadas professam;


    4. Do Estado, as escolas privadas do "SOS Ensino" apenas pretentem receber o cheque, sem que tal possa minimamente beliscar a sua sacrossanta lógica de funcionamento (a que têm certamente direito, desde que não beneficiando do dinheiro de todos). Em nome da “liberdade de escolha” e do “direito a educar e a aprender”, recusam declaradamente prescindir do seu “direito a escolher os alunos” (porque é esse o significado, na prática, da tão proclamada “liberdade de escolha”), mantendo-se portanto como estabelecimentos de ensino para as elites, subsidiados pelos contribuintes, numa aviltante derrama de dinheiros públicos;


    5. Cego na sua ambição alarve, o movimento “SOS Ensino” é incapaz de reconhecer que o Estado tem a sua racionalidade própria, intrínseca ao cumprimento do princípio constitucional do direito à educação, o que pressupõe a existência de uma rede pública de escolas, capaz de garantir a adequada cobertura territorial e a necessária isenção ideológica ou doutrinária (isenção que muitos confundem, propositadamente, com posicionamento ideológico). Essa é aliás uma das razões pelas quais não é concebível que estabelecimentos de ensino confessionais sejam parte integrante da rede pública consolidada de educação, a par de uma outra razão, justamente ilustrada pela cruzada demagógica do “SOS Ensino”: o Estado não deve ficar refém de interesses particulares que se manifestam contrários à educação enquanto direito social e enquanto bem comum.
    Postado por Nuno Serra

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  4. Hipocrisia público-privada
    Os cortes financeiros nos contratos de associação com escolas privadas aqueceram o ambiente educativo. No meio da poeira, mente o governo e mentem os privados.

    opiniao | 2 Fevereiro, 2011 - 12:14 | Por Miguel Reis
    Lead:
    Os cortes financeiros nos contratos de associação com escolas privadas aqueceram o ambiente educativo. No meio da poeira, mente o governo e mentem os privados.

    É suposto que os contratos de associação do Estado com escolas privadas se destinem a garantir o direito ao ensino gratuito para os alunos que não cabem na escola pública. O governo aplicou cortes no financiamento destes contratos de associação, mas continua sem querer enfrentar de frente o problema.

    Continuam a existir muitas escolas privadas subsidiadas ao lado de escolas públicas que não esgotaram a sua capacidade e a legislação agora aprovada não apresenta dados objectivos para definir o que é uma “zona carecida de rede pública”. Paralelamente, o governo não tem sequer uma estratégia de investimento na rede pública onde ela possa não existir. Percebe-se bem por que motivo não quer meter o dedo na ferida. O peso da Igreja e de grupos económicos aconselha cautela. Por isso, o reajuste financeiro nos contratos de associação foi apenas mais um efeito colateral do imperativo da austeridade, sem a coragem de fazer uma reforma que valorize a Escola Pública e que vá tornando obsoleto o subsídio ao negócio privado.

    Haverá casos de escolas em que o dinheiro dos contratos de associação é de facto investido num ensino de qualidade e onde ainda não existe alternativa pública. Mas há outras que florescem ao lado de escolas públicas. E umas e outras - quase todas - conseguem pôr uma turma a funcionar por muito menos de 80 mil euros (o valor agora fixado pelo governo). É que os salários no privado são em regra inferiores aos do público, principalmente os dos professores menos antigos, que são os que mais abundam neste sector, quase sempre em rotação para ficar mais barato. Sucedem-se também os abusos nos horários. Na verdade, desde sempre que muitas destas escolas chantageiam professores e funcionários, sem vigilância das entidades públicas competentes. Daí a hipocrisia das manifestações, encenadas ao milímetro, levando pais e alunos - através de uma espécie de chantagem psicológica (“se não a escola fecha!”) - a gritarem pelo direito ao ensino, quando de facto estão a lutar pelo direito a manter cheios os bolsos dos donos dos colégios.

    Finalmente, aos ideólogos da direita que papagueiam a liberdade de escolha da escola, há que dizer que essa liberdade sempre existiu. O que queriam é que ela fosse exercida à custa do dinheiro de todos os contribuintes, para alimentar lucros privados e abusos sobre trabalhadores. E ao governo que quer aparecer nesta história como grande defensor da centralidade da escola pública, há que explicar que a escola pública vai de pantanas. O corte previsto de mais de 800 milhões de euros e o despedimento massivo de professores já no próximo ano lectivo comprometem o combate ao insucesso e abandono escolares e a garantia do alargamento da escolaridade obrigatória.

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