sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Lido por aí... # 10


"Europa y la revolución", editorial da edição de 23 de Fevereiro do jornal El País (tradução retirada daqui): 

Esta não é a Europa que a revolução em curso no Magrebe e no Médio Oriente requer. Ao silêncio e à paralisia com que foram acolhidas as manifestações que puseram termo às ditaduras de Ben Ali e de Mubarak, na Tunísia e no Egito, vem agora somar-se o comedimento da reação contra o massacre perpetrado pelo ditador líbio Muammar Kadhafi. Quando um tirano lança tanques e aviões contra os cidadãos que exigem a sua saída, e entre os quais os mortos se contam em centenas, é simplesmente vergonhoso falar de contenção no uso da força.

Os crimes dos últimos dias não foram os primeiros cometidos por Kadhafi mas, sim, os que perpetrou da maneira mais impudica. Perante eles, a Europa mostrou-se mais preocupada com a maneira de manter os líbios encarcerados dentro das suas fronteiras do que em apoiar cidadãos que tomaram a palavra e que apostam a vida para combater uma velha tirania.

Perante esta exibição de barbarismo, de nada vale a prudência do comunicado emitido pela Alta Representante para a Política Externa, Catherine Ashton, nem a do Conselho de Ministros europeus celebrado na passada segunda-feira. Não nos deixemos enganar: se dois países como a Itália e a República Checa conseguiram prejudicar a posição comum [ao recusarem condenar a Líbia] foi, entre outras razões, porque os outros membros dos Vinte e Sete não se sentiram incomodados com o resultado final, que consideraram aceitável. Só que este não é aceitável, segundo nenhum ponto de vista, nem sequer se o contemplarmos à luz de um possibilismo timorato, e, por isso, a vitória dos dois Estados-membros sobre os restantes, é na realidade uma derrota humilhante para todos.

Enquanto a Alta Representante e o Conselho de Ministros desempenhavam este triste papel, a Comissão vinha lançar mais opróbrio sobre a Europa, pela boca de Michel Cercone, porta-voz da comissária para os Assuntos Internos [Cecília Malmström]. Este garantiu que a UE está preocupada com as consequências das revoltas no Magrebe e no Médio Oriente em matéria de imigração. Se, na verdade, é esta a preocupação que paralisa a União neste momento, isso quer dizer que, de tanto olhar para o umbigo, a burocracia de Bruxelas perdeu a capacidade de hierarquizar os problemas, colocando no mesmo plano o sismo político que agita uma das regiões mais martirizadas do mundo e uma obsessão, que primeiro foi das forças populistas europeias e, depois, dos partidos democráticos, dispostos a qualquer coisa para conquistar votos.

Mas quer também dizer que, acossada pelos seus fantasmas, esta Europa de começos do século XXI renunciou a fazer a distinção entre imigrantes e refugiados. Perante um crime em grande escala como o que perpetrou Kadhafi, a Europa comete uma baixeza imperdoável, ao interrogar-se sobre a melhor forma de encerrar os líbios dentro das suas fronteiras, deixando-os à mercê de uma repressão feroz. A sua preocupação deveria ser, pelo contrário, a forma de contribuir para o fim de um regime caricato e de salvar vidas humanas.

Os comunicados e declarações oficiais não deixam transparecer uma coisa nem outra, com a agravante de que, enquanto os Vinte e Sete continuam a polir o fraseado eufemista da sua posição comum, Kadhafi recorre a mercenários para reprimir os manifestantes e faz crescer o clima de terror, ao impedir que os cadáveres sejam retirados das ruas.

São incontáveis os erros históricos cometidos pelas grandes potências no Magrebe e no Médio Oriente, em nome do dogma de que a ditadura era um mal menor, em comparação com a ameaça do fanatismo religioso islamita. Na realidade, trata-se de dois inimigos que se têm alimentado um ao outro e que deixaram milhões de pessoas presas entre garras que as privavam de liberdade e de qualquer esperança de progresso, em todo o mundo árabe. Agora que esses cidadãos tomaram a iniciativa, com risco das suas vidas, as grandes potências não podem acrescentar mais um erro aos já cometidos, mais uma vez de dimensões planetárias.

Pelo menos, a Europa não pode nem deve fazê-lo, porque isso seria o mesmo que consagrar uma traição definitiva aos grandes princípios com base nos quais quis criar a sua União. Os cidadãos que se ergueram, que estão a erguer-se, contra as respetivas ditaduras, exigindo liberdade e dignidade, precisam de receber do mundo exterior, do mundo desenvolvido e democrático, uma mensagem inequívoca de que as suas reivindicações são legítimas. E a União Europeia não pode permitir-se pronunciar-se em sussurros nem fazer bandeira dos seus medos mesquinhos.

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3 comentários:

  1. Domingo, 27 de Fevereiro de 2011
    Al-Qaradawi, o clérigo que quer levar a revolução egípcia da praça Tahrir para a mesquita


    Na primeira sexta-feira depois da queda de Mubarak, uma imensa manifestação celebratória teve lugar na praça Tahrir. Apenas a um homem foi dado o privilégio de se dirigir à multidão: Yusuf Al-Qaradawi, cheique sunita, recém-chegado de três décadas de exílio no Golfo Pérsico.


    Registe-se que nesse dia não foi permitido que falasse Wael Ghonim, um dos jovens que mais simboliza a juventude egípcia mobilizada através da internete, e que aliás estivera detido de 27 de Janeiro a 9 de Fevereiro. Não: Al-Qaradawi controlava a praça.

    A sua popularidade resulta, em boa medida, do programa televisivo «A chária e a vida», difundido a partir do Catar pela Al-Jazira há quinze anos (todos os domingos). As suas posições extremistas são elucidativas: defende o bombismo suicida na Palestina, a mutilação genital feminina (e a masculina, claro), punições para homossexuais e adultério, o assassinato de Salman Rushdie, e o extermínio dos judeus. Embora elogie frequentemente a Irmandade Muçulmana, já não é membro, e até se deu ao luxo de recusar liderá-la em duas ocasiões, a última das quais em 2004.

    Os militares que se desembaraçaram do seu semi-fantoche Mubarak ainda não mostraram se apoiarão os jovens revolucionários por enquanto sem partido ou os islamistas da Irmandade Muçulmana. Há quem preveja que Al-Qaradawi será para o Egipto o que Khomeini foi para o Irão. Porém, 2011 não é 1979, e a história não se repete. Mas convém manter este homem debaixo de olho.


    Publicado por Ricardo Alves

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  2. Se Deus existisse_1
    28 de Fevereiro de 2011 | Escrito por Carlos Esperança
    Se Deus existisse, há muito que estaria em prisão preventiva e os seus serventuários a garantir que nunca o tinham visto, uma verdade, talvez a única, que apresentariam no pelourinho da opinião pública.

    Quem semeia ventos e tempestades, guerras e terramotos, epidemias e pragas, não pode esperar o mais leve gesto de consideração ou estima. Deus é filho do medo e pai dos que vivem à sua custa, uma criação bizarra que explica tudo e o seu contrário sem provas ou recurso à inteligência.

    O Deus de cada crente é talvez um mito tolerável, mas o Deus da religião é sempre um ente cruel, vingativo e caprichoso. Quanto mais atrasados forem os crentes mais odioso é o Deus que trazem.

    O Deus do Islão é um ser pusilânime e misógino que desata aos pulos quando assiste à decapitação de um infiel, à lapidação de uma adúltera ou à tortura dos ímpios. Porta-se, na presença do toucinho, pior do que um garoto à frente de um prato de sopa e odeia o álcool quase tanto como a liberdade.

    O Deus cristão, um pouco mais civilizado graças à cultura helénica e ao direito romano, anda com um colete-de-forças desde a Revolução Francesa, refreado pela separação do Estado e debilitado pela secularização, a liberdade e a democracia.

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi a gota de água que fez transbordar o copo do descrédito em relação às baboseiras que Deus proferiu no Monte Sinai ou que segredou a Maomé entre Medina e Meca.

    Deus gosta de humilhar os homens e, especialmente, as mulheres. Gosta de os ver de joelhos e de rastos, sempre a caminho dos templos (espécie de casas de alterne para os ofícios religiosos), ocupados na oração e a meterem-lhe cunhas para fazer uns milagres cada vez mais idiotas e ridículos.

    Deus está com a cotação em baixa no mercado da razão. É um mito que persiste preso aos interesses dos clérigos, um veneno que se serve na infância e que corrói a inteireza de carácter e a felicidade dos homens.

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  3. Segunda-feira, 28 de Fevereiro de 2011
    O mártir da cleptocracia
    Rui Herbon
    «Morrerei como um mártir», anunciou o tirano líbio, Muammar Khadafi, durante um delirante discurso televisivo no qual enalteceu a sua obra, após massacrar os oponentes. Orwell já tinha dito que a linguagem política às vezes é desenhada para que as mentiras soem como verdades e o assassinato pareça respeitável. Muitos ditadores conseguem usar essa linguagem de modo quase natural. Outros, não. Mas todos o tentam. Inclusive Khadafi, que agora, a um passo do fim, se apresenta como mártir; quer dizer, como alguém que morre

    por continuar fiel à sua religião. E qual é a religião de Khadafi? – caberia perguntar. Pois, a julgar pelo seu corpo de guarda feminino, o modo como lança a aviação contra o povo e a sua riqueza, poderíamos dizer que é um peculiar sincretismo, baseado no machismo, na crueldade e no roubo.



    Menciono Khadafi como mero exemplo, por razões de actualidade. Mas o que pretendo é chamar a atenção sobre o conjunto de déspotas agora ameaçados no norte de África ou na península arábica, e sobretudo o que os une acima de diferenças étnicas: a cleptomania (inclinação para roubar amiúde) e a cleptocracia (forma de governo onde o poder se usa para o lucro ilícito).



    Os números falam por si. Estima-se que Bem Ali, o deposto autocrata tunisino que apanhou o avião para o exílio carinhosamente guiado pela sua esposa – «Sobe, imbecil», ordenou-lhe –, amealhou uma fortuna de 730 milhões de euros. O egípcio Hosni Mubarak, tão composto e severo nos seus últimos discursos, segundo parece reuniu em 30 anos de sacrificada satrapia bens cujo valor ronda os 53.000 milhões (comparável ao de certas dinastias petrolíferas). Dando um salto ao Extremo Oriente, gostarão de saber que o presidente norte-coreano, Kim Jong-Il, entesoura 730 milhões. E, de volta a África, que o guineense Obiang dispõe de não menos que 440 milhões, e que o general nigeriano Abacha teve tempo para rapinar 22.000 milhões antes de passar à reserva.



    Organizações como a Transparency International levam anos lutando contra a corrupção, compilando e difundindo dados como os aqui expostos. Mas a sua divulgação é limitada. O seu último relatório indica que 75% dos 178 países analisados em 2010 tinham índices de corrupção elevados. E, o que é pior, dá a entender que os cidadãos e instituições do mundo ainda não combatem vigorosamente tão disseminada chaga.



    O fenómeno pode ter uma leitura cómica. Como dizia Chesterton, um apaixonado dos paradoxos, «os ladrões respeitam tanto a propriedade privada que aspiram a torná-la sua para poderem respeitá-la ainda mais». Mas, dados os seus terríveis efeitos, devíamos ler a realidade seriamente. Por exemplo, fazendo-nos esta pergunta: que posso eu fazer para que ladrões sanguinários e machistas não ocupem os cargos que deviam corresponder aos honestos, justos e sensatos?

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