terça-feira, 7 de junho de 2011

Lido por aí... # 17


Sem rodeios, os resultados das eleições legislativas constituiram uma séria derrota para a esquerda, nomeadamente para o Bloco de Esquerda.
Apesar do contexto em que as eleições foram disputadas fazer prever um recuo nos resultados do Bloco, a dimensão deste recuo obriga todos os seus dirigentes, aderentes e apoiantes a uma aprofundada reflexão. 
Não é possível enterrar a cabeça na areia quando, face às legislativas de 2009, o Bloco perde mais de 250.000 votos e vê o seu grupo parlamentar reduzido a 8 deputados...
No entanto, apesar de defendermos a realização de um amplo e necessário debate interno, recusamo-nos a transformar a leitura do resultado eleitoral numa luta intestina que visa responsabilizar Francisco Louçã pelo descalabro do passado domingo.
Da mesma forma, repudiamos  os argumentos de todos aqueles que, à esquerda e à direita, pretendem vislumbrar neste resultado a enémisa certidão de óbito do Bloco de Esquerda. 

Certamente que voltaremos, de forma mais aprofundada,  a abordar este tema. Até lá, parece-nos que  o texto que Fernando Rosas assina hoje no Esquerda.net, "Seis notas pessoais sobre os resultados do Bloco de Esquerda", constitui um bom ponto de partida para a análise/discussão que urge efectuar:

1. A derrota do Bloco nas eleições legislativas é suficientemente expressiva para dispensar tergiversações. Ela é da responsabilidade da direcção do BE no seu conjunto e devemos discuti-la colectivamente com seriedade, dentro do Bloco e com os seus simpatizantes, com o espírito de reforçar a nossa unidade em torno das políticas que nos habilitem para os duríssimos combates que temos pela frente. O BE perdeu uma batalha e deve preparar-se para vencer na guerra. As derrotas, quando bem analisadas, ensinam-nos seguramente mais do que as vitórias.
 
2. Do meu ponto de vista, a esquerda portuguesa e o BE em particular, à semelhança de situações similares em outros países europeus em crise, não conseguiu contrariar a vaga do voto do pânico, do voto na ilusão de uma solução, de um acordo, que, mesmo com algum sacrifício, há-de trazer, ao fim e ao cabo, o regresso à normalidade do emprego, do salário, da pensão, da renda da casa. Um voto que quer ver no acordo com a Troika – cujo significado foi deliberadamente ocultado na campanha pelos partidos seus subscritores – uma tábua de salvação face ao desastre iminente. E que puniu os que “ficaram de fora”, os que “não podiam influenciar”, os que pareciam não ter nada para lhes dar quando – dizia-se – a partir de Junho nem dinheiro para os ordenados havia. Esta visão foi, aliás, massivamente difundida pelos media numa campanha ideológica sem precedentes de “irresponsibilização” (“caloteiros”, marginais da política, radicais, indignos da confiança do povo aflito…) do BE e das suas propostas alternativas, aliás por nós sistematicamente apresentadas e bem defendidas.
 
3. Apesar de o BE, na minha opinião, ter conduzido, do ponto de vista do discurso político, uma das melhores campanhas políticas eleitorais da sua curta história (propositiva, pedagógica, realista, contida), e apesar do empenho dos seus militantes e apoiantes por todo o país, isso não foi suficiente para conter a vaga do voto na “segurança” e no mal menor. E por aí perdemos milhares de votos populares até para o PSD e alguns para o PP. A gravidade e extensão catastrófica da presente crise empurraram o voto do eleitorado popular flutuante para o refúgio aparente da “segurança” e da “protecção” da direita e dos seus tutores externos da Troika. A impopularidade imensa de Sócrates e do governo PS fez o resto.
 
4. O voto útil no PS, alimentado pelas sondagens que durante semanas davam um “empate técnico” com o PSD, naturalmente também funcionou, sobretudo em certas margens mais politizadas do nosso eleitorado flutuante. Não me parece, contudo, que tenha sido o factor determinante. Tal como a abstenção, igualmente, penalizou sobretudo a esquerda. O PCP, escorado no seu aparelho sindical e autárquico, com um eleitorado tradicionalmente fixado, defendeu com mais eficácia o seu espaço social e político de sempre e até algum voto de protesto. Mas creio que a situação que originou esta grande viragem à direita respeita a algo de mais vasto e profundo. É claro que podemos agarrar-nos, também, à discussão de algumas decisões tácticas que o BE nos últimos meses (presidenciais, moção de censura) e da sua possível influência nestes resultados. Sei que uma ou outra opção originaram dúvidas e oposições de militantes e votantes no BE. Mas creio que a extensão das deslocações de votos indicam com segurança que elas são movidas por opções que em muito ultrapassam os círculos mais politizados e informado em redor do Bloco eventualmente influenciáveis por tais escolhas. É para a natureza política e social do novo ciclo político que devemos olhar. E aprender.
 
5. O coro dos comentadores da direita parece querer transformar o rescaldo eleitoral num ajuste de contas raivoso com Francisco Louçã. Não se iludam. A direita quer duas coisas: silenciar o porta-voz desta esquerda subversiva e firme na denúncia da ordem estabelecida e, com isso, sonha mudar a cor do BE. Fingem não perceber que neste partido, em lutas desta envergadura, não há responsabilidades individuais. Nem nas vitórias, nem nas derrotas. Creio que é preciso sabermos ser nós, colectivamente, a fazer este balanço sempre com o objectivo de atingir uma unidade superior em torno de uma política adequada. O balanço das eleições tem de se fazer não nos jornais mas nos órgãos democraticamente eleitos pela Convenção. É a diferença entre ser a direita a fazê-lo ou o nosso colectivo do BE.
 
6. Mesmo nesta situação excepcionalmente difícil e complexa, alvo de um ataque ad odium e concertado sem precedentes, o resultado do BE demonstra que é um partido seguramente enraizado em sectores importantes do povo que de Norte a Sul do país continuaram a fazer dele o seu partido e a sua voz. Ao contrário do que os plumitivos e comentadores da direita voltaram excitadamente a anunciar, o BE perdeu, recuou, mas aguentou o embate. Tem raízes que esta tempestade não quebrou nem romperá. É agora altura de balanço e de luta. Com uma certeza. Nos duros combates que se avizinham, nas difíceis condições que temos pela frente, os trabalhadores, os jovens, os desempregados, os pensionistas, os precários, sabem onde nos encontrar: na primeira linha, dentro e fora do parlamento, a defender os seus direitos, a combater a barbárie neoliberal, a batalhar pelo socialismo. É assim. Quem vem de longe e quer ir para mais longe ainda, não desfalece.

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4 comentários:

  1. Criar raízes

    opiniao | 7 Junho, 2011 - 15:06 | Por Pedro Filipe Soares

    O contexto político exigirá do Bloco que se supere em defesa das pessoas, do trabalho com direitos, dos salários, das pensões e dos direitos.

    Reduzir as vitórias apenas a um determinado facto costuma ser uma simplificação redutora, que muito pouco traz a qualquer tentativa de reflexão. Por outro lado, reduzir as derrotas a apenas um aspecto será, porventura, uma fuga maior a qualquer aprofundamento.

    Os resultados eleitorais do Bloco de Esquerda nestas legislativas não foram os desejados. O Bloco viu quebrado o crescimento até agora conhecido, o grupo parlamentar reduzido e a fuga de um quinhão importante de votos. Este resultado foi uma derrota mas, como referido logo na noite eleitoral, saímos derrotados, mas não vencidos. Os motivos para estes resultados eleitorais são vários. Não tenho a intenção de ser exaustivo nesta análise, mas sobretudo realçar alguns aspectos políticos que terão sido factores maiores neste panorama.

    Parece claro que em 2009 o Bloco beneficiou de votos motivados pelo afastamento entre Manuel Alegre e um PS mergulhado numa maioria absoluta autocrática. Este afastamento de Manuel Alegre em relação à política do Código de Trabalho de Vieira da Silva e às privatizações de Sócrates, bem como o seu diálogo com o Bloco de Esquerda, deram mais força ao principal argumento da campanha de então: o voto no BE é o mais certeiro para retirar a maioria absoluta a José Sócrates. Com a direita esvaziada e uma Ferreira Leite que criava anticorpos mesmo entre as suas hostes, a mensagem do BE passou e deu frutos. Não havia voto útil a que José Sócrates pudesse apelar, porque a direita não representava qualquer ameaça eleitoral. Este cenário político sofreu profundas alterações.

    A reaproximação entre Manuel Alegre e José Sócrates, particularmente no debate sobre as medidas da troika que vão condicionar os próximos anos, reforçou a pressão para o regresso de muitos desses eleitores ao voto no PS. Este processo foi agudizado pelo reforço da direita, com um discurso mais extremado, o que deu ainda mais espaço para o discurso do voto útil. Este terá sido um factor importante para o recuo na votação no BE.

    A votação entre os jovens já tinha sido afectada em 2009, com alguma perda de eleitorado. Nas eleições recentes, apesar de não se percepcionar perda de votação jovem para a direita, a verdade é que a influência do BE entre os jovens diminuiu, sobretudo perdendo para a abstenção. Este será o segundo pilar na quebra de votação e igualmente merecedor de atenção redobrada para o futuro próximo.

    As razões apresentadas não pretendem esgotar esta análise. Contudo, dão a tónica sobre os principais motivos, apontando algumas perspectivas para o futuro próximo. O contexto político exigirá do BE que se supere em defesa das pessoas, do trabalho com direitos, dos salários, das pensões e dos direitos. Com o PS umbilicalmente ligado às medidas da troika, os socialistas procurarão alternativas e o Bloco será esse rosto, tanto mais que o debate sobre a necessidade da auditoria à dívida e da sua renegociação para proteger salários e pensões será o nosso dia a dia a partir de agora.

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  2. Sobre os resultados eleitorais
    por Andrea Peniche
    Tenho lido muitos comentários sobre os resultados eleitorais do Bloco. Uns certeiros e bem intencionados e muitos outros canibalescos. Desde o seu aparecimento que a morte do Bloco de Esquerda vem sendo anunciada. A realidade contradisse sempre a profecia. Aqui chegados, perante a primeira grande derrota, convém que, como diz e com muita razão o Nuno Ramos de Almeida, a discussão seja séria para que se possa aprender alguma coisa com isto.



    O Bloco perdeu metade dos seus deputados e milhares de votos. Contra isto não há argumentos. No entanto, e paradoxalmente, esta foi uma das melhores campanhas que o Bloco fez: empenhada, certeira nos argumentos, propositiva. O Bloco apostou tudo na renegociação da dívida, uma alternativa às imposições da troika, mas ficou sozinho no debate. Os partidos do arco do FMI blindaram a discussão e a imprensa calou-se. O ódio venceu a razão e muitos dos que quiseram acima de tudo correr com Sócrates não tiveram o cuidado de olhar para o preço a pagar por uma maioria de direita.



    A campanha teve fraquezas. A ausência de temas capazes de chegar a pessoas menos familiarizadas com os assuntos económicos é, na minha perspectiva, uma delas. E o Bloco não conseguiu compreendê-lo a tempo de reajustar a campanha. Porém, as razões mais importantes para o desaire eleitoral, sinalizadas pelos fazedores de opinião de direita e de esquerda, foram o apoio a Manuel Alegre, a moção de censura e a não-reunião com a troika. O curioso em toda esta questão é que os mesmos que calaram a discussão sobre o que era essencial nesta campanha, a renegociação da dívida, se entretiveram a esgravatar estas questões. Aquilo que o Bloco propôs como alternativa às políticas do presente e do futuro não despertou interesse nenhum; já o passado, mesmo que recente, funcionou como melaço.

    Talvez a coisa seja mais estrutural do que faltar a uma reunião e ter feito uma moção de censura pouco clara. Essa é a discussão que interessa e que temos pela frente. Tudo o resto é fogo de artifício.

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  3. Sobre o rolamento de cabeças
    por Andrea Peniche
    O Bloco de Esquerda que eu conheço nunca se furtou nem à responsabilidade nem à crítica. Talvez seja por isso que me sinto incomodada com uma certa histeria que por aí corre, materializada em atoardas que clamam pela demissão da direcção bloquista. Esta direcção foi eleita há cerca de um mês; é posterior aos erros que a generalidade dos fazedores de opinião sinalizam como responsáveis pelo desaire eleitoral do Bloco. Se me disserem que o programa com que o Bloco se apresentou a eleições era um disparate, se me disserem que a campanha que fizemos não teve ponta por onde se pegasse, aí eu até compreenderia a necessidade de propor a demissão da direcção. Mas se não for esse o caso, como não é, era bom que nos empenhássemos em fazer uma discussão séria, ao invés de nos entretermos a clamar por soluções que rendendo bons sound bites - porque imitam o funcionamento dos partidos grandes - pouco contribuem para a reflexão que, em meu entender, faz falta ao Bloco.



    Sou militante do Bloco de Esquerda e detestaria fazer parte de um partido que descarta dirigentes assim que a coisa corre mal. Prefiro esse outro que conheço onde as responsabilidades são partilhadas, onde se discute, colectiva e solidariamente, as razões das vitórias e dos fracassos, onde aprendemos em conjunto. Responsabilidade é chamar derrota à derrota; responsabilidade é iniciar o processo de discussão para compreendê-la e corrigir erros; responsabilidade é ter disponibilidade para uma discussão séria.

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  4. Os tempos são sérios e as discussões também
    por João Rodrigues


    A primeira reacção da esquerda socialista foi positiva: um descalabro é um descalabro. Agora há que procurar colectivamente as causas das coisas. O José Gusmão dá pistas profícuas sobre o método a seguir: “Não devemos perder um segundo a lamentar um enquadramento reconhecidamente adverso. Por duas razões: não é de esperar que melhore (antes pelo contrário) e não há grande coisa que possamos fazer a tal respeito, senão melhorar a nossa capacidade de intervenção. A oportunidade é, portanto, para reflectirmos sobre as razões desta derrota, sobre as insuficiências da nossa organização e sobre o que temos a melhorar (…) Não vale a pena queixarmo-nos do povo.” Uma derrota política desta natureza exige um debate amplo, que ouça todas as vozes, mesmo de quem só é simpatizante. Um debate que passa necessariamente por uma convenção e que vai para lá dela.



    A questão é de organização e de poder. Aqui o pior que pode acontecer a uma esquerda socialista que queira tirar todas as ilações deste desaire eleitoral é não reconhecer os seus erros tácticos e estratégicos, que, de facto, estão longe da sua plataforma “económica”, com todas as insuficiências que esta possa ter e tem muitas. A esquerda tem de adequar a sua forma organizacional para impedir que os erros se repitam, para evitar que se amplie o fosso entre a sua base eleitoral e a sua direcção política. Um fosso que se abre sempre que muitos cidadãos pressentem uma indisponibilidade partidária para gerar soluções construtivas, para gerar esperança. Um fosso que se abre sempre que se fragiliza a participação democrática. Da moção de censura à recusa em reunir com a troika, há muita pedra para partir e muitas vozes, de perto e de longe, para escutar.



    A melhor tradição socialista não cai na tentação de avançar com desculpas esfarrapadas, que soam a desresponsabilização, para descalabros eleitorais e não cataloga preconceituosamente a opinião legítima de militantes dos mais diversos quadrantes internos. Dizer-se, por exemplo, que a derrota se deveu à pressão do chamado voto útil é curto: por que é que, afinal de contas, essa pressão foi tão eficaz? Seja como for, o pluralismo é o nosso melhor activo porque também é a melhor forma de irmos descobrindo as verdades, as explicações mais plausíveis, as que sobrevivem a um debate, que por vezes estão nas vozes, tantas vezes aparentemente isoladas, que se podem revelar tão prescientes porque mais em sintonia com o pulsar de quem nos apoia.



    Uma cultura democrática é a melhor forma de evitarmos fechamentos políticos, de evitarmos as armadilhas dos estereótipos que sabemos como começam e como acabam. Reflexões como a que Fernando Rosas aqui publicou dão-nos mais pistas, embora o debate se possa e deva fazer em todos os lados. Não há um fora e um dentro num partido democrático. Todos somos poucos e as nossas redes vão para lá das sedes. Aos dirigentes, militantes e simpatizantes pede-se ética da responsabilidade, pede-se que não transfiram responsabilidades pelo desaire das legislativas para uma candidatura presidencial digna. Temos de querer recomeçar de novo. A única esquerda socialista que vale a pena é a que não desiste de crescer.

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