"Transparência Fiscal", assinado por João Pedro Martins (economista e autor do livro "Suite 605 - A história secreta de centenas de empresas que cabem numa sala de 100 m2"), é um texto fundamental para perceber as consequências económicas das "burlas legais" que impunemente se praticam no offshore da Madeira:
Em Portugal, existe uma elite corrupta que capturou a economia e o poder político. Esta elite também se recusa a pagar impostos. A grande corrupção ocorre ao nível empresarial e político quando um grupo restrito de pessoas usa a magistratura de influência para aprovar leis labirínticas que lhes concedem benefícios vedados aos restantes concidadãos.
No passado, a caça, o ténis e o golfe eram os passatempos dos ricos. Actualmente, o desporto dos poderosos é a fuga aos impostos.
As principais multinacionais e conhecidos empresários portugueses têm usado o Centro internacional de Negócios da Madeira (um eufemismo para suavizar a carga negativa do offshore existente na Zona Franca da Madeira) para praticar uma verdadeira “burla legal”, que tem esvaziado os cofres públicos e transferido a carga tributária das grandes empresas para os pequenos contribuintes, que sempre pagaram impostos.
Esta batota fiscal estrangulou o desenvolvimento regional e viu nascer uma rede de piratas e terroristas fiscais que têm saqueado o país impunemente. A maioria das empresas sediadas na Zona Franca da Madeira faz parte de uma espécie de sociedade secreta, um monstro que se alimenta de tributos não pagos e que todos vêem mas ninguém conhece.
Segundo dados publicados no Portal das Finanças, cada uma destas entidades custa ao Estado português mais de 1100 milhões de euros em benefícios fiscais. Cada trabalhador destas empresas-fantasma implica uma despesa fiscal de 650 mil euros por ano. Em 2009, a média de IRC pago não ultrapassou 0,16 por cento, enquanto a taxa de impostos para as empresas no resto do território nacional é de 25 por cento.
Ficou por publicar a lista das entidades que em 2010 foram contempladas com benefícios fiscais. A transparência fiscal é um instrumento fundamental na Democracia. É um direito dos contribuintes, dos eleitores e de todos os cidadãos. A transparência fiscal é um dever legal do Estado e a sua divulgação é uma exigência da Lei do Orçamento do Estado para 2011, que foi sufragada pelos deputados da Assembleia da República: “A DGCI deve, até ao fim do mês de Setembro de cada ano, divulgar os sujeitos passivos de IRC que utilizaram benefícios fiscais, individualizando o tipo e o montante do benefício utilizado” (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pela Lei n.º 48/2011, de 26 de Agosto).
Nas últimas três décadas, esta jurisdição especial tornou-se num ninho de corrupção que branqueia crimes de evasão fiscal noutros países, mas que na Zona Franca da Madeira cabem na actual moldura legal. É no silêncio da lei que as máfias russas e italianas desembarcam na Madeira para lavar dinheiro sob a capa de importações e exportações de mercadorias e matérias-primas que nunca passaram pelo porto do Funchal, mas cujas facturas contribuem para o aumento do Produto da região e fazem com que o PIB per capita da Madeira seja o segundo maior do país.
Esta mentira que está nas contas públicas de Portugal retirou à Madeira o estatuto de Objectivo 1 das regiões ultraperiféricas da União Europeia barrando a possibilidade do acesso a 500 milhões de euros em fundos comunitários e a 400 milhões para combater a insularidade, provenientes do Orçamento do Estado e previstos na Lei de Finanças das Regiões Autónomas. A Madeira apresenta contas de rico, enquanto trinta por cento da sua população vive abaixo do limiar da pobreza.
Em benefícios fiscais concedidos às empresas instaladas no offshore e em fundos perdidos por ter um PIB artificialmente inflacionado, o país perde o equivalente ao que deixa de pagar aos funcionários públicos com os cortes nos subsídios de férias e de Natal em 2012.
Sem transparência, é impossível existir justiça fiscal. Os impostos constituem uma ferramenta determinante para o desenvolvimento e o combate à pobreza, mas os sacrifícios não podem ser exigidos a quem está nos últimos degraus da escada social.
É perfeitamente irreal que, durante uma década, numa sala de 100 metros quadrados se empilhassem mil empresas que ocuparam o espaço equivalente a um disco de vinil ou a um mosaico cerâmico de cozinha. No mesmo escritório, a maior produtora mundial de alumínio coabitou com a maior produtora mundial de aço. Em 2009, ambas as empresas apresentaram um volume de negócios agregado na Madeira próximo dos 4000 milhões de euros, sem que uma grama de aço ou de alumínio tenha sido fundida no Funchal. A PepsiCo e a British American Tobacco passaram pelo mesmo local onde estão sediadas as subsidiárias portuguesas da gigante UC Rusal e da ArcelorMittal. Estas multinacionais não pagaram impostos em Portugal porque, legalmente, beneficiaram de um regime de isenção fiscal. Usaram o offshore da Madeira apenas como um bordel tributário para migrar lucros e fugir aos impostos, utilizando uma técnica contabilística conhecida por “manipulação dos preços de transferência”.
Para garantir a justiça fiscal, os impostos devem ser pagos no local onde os lucros são obtidos. Só assim é possível compensar as comunidades locais pelo uso comercial do seu território.
Na Madeira nada disto acontece.
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