quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"No pas­sado, a caça, o ténis e o golfe eram os pas­satem­pos dos ricos. Actual­mente, o desporto dos poderosos é a fuga aos impostos."

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"Transparência Fiscal", assinado por João Pedro Martins (economista e autor do livro "Suite 605 - A história secreta de centenas de empresas que cabem numa sala de 100 m2"), é um texto fundamental para perceber as consequências económicas das "burlas legais" que impunemente se praticam no offshore da Madeira:

Em Por­tu­gal, existe uma elite cor­rupta que cap­turou a econo­mia e o poder político. Esta elite tam­bém se recusa a pagar impos­tos. A grande cor­rupção ocorre ao nível empre­sar­ial e político quando um grupo restrito de pes­soas usa a mag­i­s­tratura de influên­cia para aprovar leis labirín­ti­cas que lhes con­ce­dem bene­fí­cios veda­dos aos restantes concidadãos.

No pas­sado, a caça, o ténis e o golfe eram os pas­satem­pos dos ricos. Actual­mente, o desporto dos poderosos é a fuga aos impostos.

As prin­ci­pais multi­na­cionais e con­heci­dos empresários por­tugue­ses têm usado o Cen­tro inter­na­cional de Negó­cios da Madeira (um eufemismo para suavizar a carga neg­a­tiva do off­shore exis­tente na Zona Franca da Madeira) para praticar uma ver­dadeira “burla legal”, que tem esvazi­ado os cofres públi­cos e trans­ferido a carga trib­utária das grandes empre­sas para os pequenos con­tribuintes, que sem­pre pagaram impostos.

Esta batota fis­cal estran­gu­lou o desen­volvi­mento regional e viu nascer uma rede de piratas e ter­ror­is­tas fis­cais que têm saque­ado o país impune­mente. A maio­ria das empre­sas sedi­adas na Zona Franca da Madeira faz parte de uma espé­cie de sociedade sec­reta, um mon­stro que se ali­menta de trib­u­tos não pagos e que todos vêem mas ninguém conhece.

Segundo dados pub­li­ca­dos no Por­tal das Finanças, cada uma destas enti­dades custa ao Estado por­tuguês mais de 1100 mil­hões de euros em bene­fí­cios fis­cais. Cada tra­bal­hador destas empresas-fantasma implica uma despesa fis­cal de 650 mil euros por ano. Em 2009, a média de IRC pago não ultra­pas­sou 0,16 por cento, enquanto a taxa de impos­tos para as empre­sas no resto do ter­ritório nacional é de 25 por cento.

Ficou por pub­licar a lista das enti­dades que em 2010 foram con­tem­pladas com bene­fí­cios fis­cais. A transparên­cia fis­cal é um instru­mento fun­da­men­tal na Democ­ra­cia. É um dire­ito dos con­tribuintes, dos eleitores e de todos os cidadãos. A transparên­cia fis­cal é um dever legal do Estado e a sua divul­gação é uma exigên­cia da Lei do Orça­mento do Estado para 2011, que foi sufra­gada pelos dep­uta­dos da Assem­bleia da República: “A DGCI deve, até ao fim do mês de Setem­bro de cada ano, divul­gar os sujeitos pas­sivos de IRC que uti­lizaram bene­fí­cios fis­cais, indi­vid­u­al­izando o tipo e o mon­tante do bene­fí­cio uti­lizado” (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezem­bro, alter­ada pela Lei n.º 48/2011, de 26 de Agosto).

Nas últi­mas três décadas, esta juris­dição espe­cial tornou-se num ninho de cor­rupção que bran­queia crimes de evasão fis­cal noutros países, mas que na Zona Franca da Madeira cabem na actual moldura legal. É no silên­cio da lei que as máfias rus­sas e ital­ianas desem­bar­cam na Madeira para lavar din­heiro sob a capa de impor­tações e expor­tações de mer­cado­rias e matérias-primas que nunca pas­saram pelo porto do Fun­chal, mas cujas fac­turas con­tribuem para o aumento do Pro­duto da região e fazem com que o PIB per capita da Madeira seja o segundo maior do país.

Esta men­tira que está nas con­tas públi­cas de Por­tu­gal retirou à Madeira o estatuto de Objec­tivo 1 das regiões ultra­per­iféri­cas da União Europeia bar­rando a pos­si­bil­i­dade do acesso a 500 mil­hões de euros em fun­dos comu­nitários e a 400 mil­hões para com­bater a insu­lar­i­dade, prove­nientes do Orça­mento do Estado e pre­vis­tos na Lei de Finanças das Regiões Autóno­mas. A Madeira apre­senta con­tas de rico, enquanto trinta por cento da sua pop­u­lação vive abaixo do lim­iar da pobreza.

Em bene­fí­cios fis­cais con­ce­di­dos às empre­sas insta­l­adas no off­shore e em fun­dos per­di­dos por ter um PIB arti­fi­cial­mente infla­cionado, o país perde o equiv­a­lente ao que deixa de pagar aos fun­cionários públi­cos com os cortes nos sub­sí­dios de férias e de Natal em 2012.

Sem transparên­cia, é impos­sível exi­s­tir justiça fis­cal. Os impos­tos con­stituem uma fer­ra­menta deter­mi­nante para o desen­volvi­mento e o com­bate à pobreza, mas os sac­ri­fí­cios não podem ser exigi­dos a quem está nos últi­mos degraus da escada social.

É per­feita­mente irreal que, durante uma década, numa sala de 100 met­ros quadra­dos se empil­has­sem mil empre­sas que ocu­param o espaço equiv­a­lente a um disco de vinil ou a um mosaico cerâmico de coz­inha. No mesmo escritório, a maior pro­du­tora mundial de alumínio coabitou com a maior pro­du­tora mundial de aço. Em 2009, ambas as empre­sas apre­sen­taram um vol­ume de negó­cios agre­gado na Madeira próx­imo dos 4000 mil­hões de euros, sem que uma grama de aço ou de alumínio tenha sido fun­dida no Fun­chal. A Pep­siCo e a British Amer­i­can Tobacco pas­saram pelo mesmo local onde estão sedi­adas as sub­sidiárias por­tugue­sas da gigante UC Rusal e da Arcelor­Mit­tal. Estas multi­na­cionais não pagaram impos­tos em Por­tu­gal porque, legal­mente, ben­e­fi­cia­ram de um regime de isenção fis­cal. Usaram o off­shore da Madeira ape­nas como um bor­del trib­utário para migrar lucros e fugir aos impos­tos, uti­lizando uma téc­nica con­tabilís­tica con­hecida por “manip­u­lação dos preços de transferência”.

Para garan­tir a justiça fis­cal, os impos­tos devem ser pagos no local onde os lucros são obti­dos. Só assim é pos­sível com­pen­sar as comu­nidades locais pelo uso com­er­cial do seu território.

Na Madeira nada disto acontece.



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