"Confiscos", artigo de opinião de José Manuel Pureza, publicado hoje no Diário de Notícias:
Eu lembro-me. Foram eles os quatro que se reuniram, há quatro meses, com o Governador do Banco de Portugal depois de quatro entrevistas em prime time em quatro dias seguidos. À saída, os quatro banqueiros comunicaram ao País que decidiam cortar o crédito ao Estado e que era tempo de vir a troika. Agora, quatro meses volvidos, o directório dos bancos vem rasgar as vestes perante o programa da mesma troika. Que "não faz sentido" para o sector financeiro. Que tem de ser "repensado de alto a baixo", porque é "um confisco aos accionistas".
Os banqueiros que deram ordem de entrada à troika estão com medo. O contínuo apoio do Estado foi o ansiolítico que os fez vencer todos os testes de stress: com um tratamento fiscal obscenamente vantajoso por comparação com qualquer pequena empresa, não há stress que os abale. Agora, vêm exigir que o mesmo Estado lhes pague as dívidas, como condição sine qua non para termos sistema bancário amanhã. Ao mesmo Estado que injectou no BPN dois mil milhões de euros - número mágico para desvios colossais, está visto -, para evitar que a gestão ruinosa de um banco contaminasse todo o sistema. Ao mesmo Estado que lhes garantiu 12 mil milhões para capitalização e 35 mil milhões para liquidez e que até se apresta a lavrar em orçamento rectificativo a sua fidelidade ao prometido. É preciso ter lata. O que o Estado deve aos bancos, contraíram-no eles com juros de 2% junto do Banco Central Europeu, para depois cobrarem 6% e 7% ao Terreiro do Paço. São, além do mais, dívidas com uma maturidade pré-fixada. É pois a antecipação de um pagamento garantido que os bancos exigem a quem impuseram já um diferencial de juro que roça a agiotagem.
Mas o medo deles não é, nem por um momento, que o Estado lhes seja agora infiel. Têm todas as razões para não stressar com esse fantasma. Não, o que eles realmente temem é que, uma vez sem exemplo, se tenha aprendido a lição da crise e se actue onde ela foi gerada. A imposição de um reforço da proporção de capitais próprios face a activos de risco e da proporção entre depósitos e empréstimos, para prevenir futuros Lehman Brothers e quejandos, foi louvável enquanto não passou de retórica. Levá-la a sério e passá-la mesmo à prática ameaça diminuir os dividendos distribuídos no fim de cada exercício. E ameaça obrigar os accionistas a canalizar para reinvestimento nos bancos o que lhes renderia muito mais noutras aplicações, como o ouro por exemplo. Que, afinal, isto seja mesmo para valer, é algo que os quatro banqueiros não querem acreditar.
O algodão não engana, diz o anúncio. E o Governo está perante o seu teste do algodão: vai ou não vai ceder à guerra preventiva ardilosamente desencadeada pelos donos dos bancos? Vai ou não levar até ao fim a exigência de recapitalização, forçando, se necessário for para o efeito, uma limitação da distribuição de dividendos aos accionistas? Ou vai, pela enésima vez, mostrar que este país é para os bancos e que não há stress que belisque essa relação amorosa? Vai sinalizar que ninguém pode considerar-se isento de sacrifícios neste momento da vida do País, ou vai pôr ainda mais a nu que a austeridade que defende é assimétrica e injusta?
O que os quatro banqueiros, que mandaram vir a troika, dizem ao País é que não concebem actuar num sector em que o prejuízo aconteça mesmo. Vão ter de explicar isso aos milhares de pequenos empresários que caem, dia após dia, em insolvência. Dizem os quatro banqueiros que é um confisco dos accionistas o que aí vem. Vão ter de nos explicar a todos por que é que o confisco deles não pode acontecer e o nosso é uma inevitabilidade.
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