Manifesto
Em tempos de crise,
é habitual serem postos em causa os direitos mais básicos – o acesso à educação
pública, aos cuidados de saúde, a um trabalho. A história repete-se agora,
tornando as pessoas mais expostas à exploração, às discriminações e ao
preconceito.
Num contexto de precariedade laboral e de facilitação dos despedimentos, as pessoas que estão socialmente sujeitas a opressões de género ou a pressões quanto à orientação e identidade sexuais são das mais vulneráveis aos caprichos e preconceitos das entidades empregadoras.
Combater o preconceito desde cedo
As identidades vão-se desenvolvendo desde a mais tenra infância e a educação (formal, não formal e informal) tem um papel crucial nessa construção. É muito importante o trabalho de desconstrução, nas escolas, dos estereótipos, incluindo ideias feitas sobre orientação sexual e identidade de género. Além disso, é fundamental a capacitação das pessoas jovens para identificar, lidar e prevenir diferentes formas de violência de género.
A utilização de uma linguagem inclusiva e a
visibilidade do papel das mulheres e das pessoas LGBT na história e na
atualidade é essencial. Construirmos espaços escolares e extraescolares
emancipatórios, no seio dos quais não se faça afirmações sexistas, em que toda a
diversidade de relacionamentos amorosos, de orientações sexuais e de identidades
tenha lugar para se afirmar e se vivenciar livremente é uma condição
incontornável para que esta construção de identidade se faça livre de opressões
e de forma saudável. É, como tal, urgente que a comunidade escolar e os próprios
currículos escolares assumam a igualdade de género como uma questão educativa
central.
Prevenir a violência: um dever coletivo
Mas a educação não se faz apenas nas escolas. É obrigação de todos defender a liberdade individual e respeitar as diferenças e a diversidade humana e queremos uma sociedade civil que seja estruturante para a igualdade de género e para o combate à discriminação. Acreditamos que viver sem violência é um direito e que é obrigação de todos denunciar e lutar contra a homofobia, transfobia e todo o tipo de violência: a prepotência no trabalho, o bullying, a violência doméstica, a intolerância social.
Mas a educação não se faz apenas nas escolas. É obrigação de todos defender a liberdade individual e respeitar as diferenças e a diversidade humana e queremos uma sociedade civil que seja estruturante para a igualdade de género e para o combate à discriminação. Acreditamos que viver sem violência é um direito e que é obrigação de todos denunciar e lutar contra a homofobia, transfobia e todo o tipo de violência: a prepotência no trabalho, o bullying, a violência doméstica, a intolerância social.
Em particular quanto à violência doméstica, as vítimas têm de se sentir apoiadas pela sociedade para quebrar o silêncio, a vergonha e o medo em relação às pessoas agressoras, mesmo quando se trata dos próprios companheiros e companheiras. Apesar de, há já 12 anos, a lei classificar este tipo de violência como crime público, e de as denúncias terem consequentemente aumentado em média 12% ao ano, o crime permanece sem punição na esmagadora maioria dos casos, pelo que é urgente que se faça mais e melhor justiça neste domínio.
Educação e Bullying
A discriminação em função da orientação sexual
e identidade de género também é uma realidade para os jovens. Nas escolas, tal
como na sociedade em geral, a homo e transfobia são dos principais motores do
bullying que, finalmente, se começa a denunciar e combater.
Muitos são já os estudos que mostram esta realidade em todo o mundo. Em Portugal, também. E se saber-se que 40% dos alunos são discriminados pela sua orientação sexual e identidade de género real ou hipotética não tem consequências, algo está mal na nossa vida coletiva. Se não interessar aos poderes públicos, a quem deverá interessar?
No entanto, não se pode extirpar o preconceito sem conhecimento. Sem educação. Por isso, exigimos das autoridades o reconhecimento do bullying homo e transfóbico como um grave problema que afeta todos os estudantes, em todos os níveis de ensino. Queremos também o empenho de todos – desde as direções das escolas até aos professores, passando por todos os funcionários escolares – no combate quotidiano contra a ignorância e a agressão. E como a melhor forma de lutar contra a ignorância é o saber, pedimos que seja dada mais formação e informação a todos os membros da comunidade escolar.
A violência homo e transfóbica nas escolas deverá ser exemplarmente prevenida e como tal deverá figurar no estatuto do aluno.
Liberdade e diversidade
A nossa sociedade tem ainda um longo percurso a palmilhar no que diz respeito a preconceitos de género, sexuais, relacionais e familiares. A Marcha do Orgulho é a favor do direito à liberdade e diversidade de sexualidades, orientações, identidades e relações.
A nossa sociedade tem ainda um longo percurso a palmilhar no que diz respeito a preconceitos de género, sexuais, relacionais e familiares. A Marcha do Orgulho é a favor do direito à liberdade e diversidade de sexualidades, orientações, identidades e relações.
No campo específico das sexualidades, a Marcha
defende a liberdade e diversidade de atividades afectivo-sexuais e o respeito
por todas as práticas sexuais voluntárias e informadas. Admitir o preconceito a
qualquer prática livre e informada (seja, por exemplo, o exercício do trabalho
sexual ou a vivência de uma relação homossexual) é abrir a porta à opressão de
populações específicas em violação deste princípio.
A discriminação para com os indivíduos LGBT acontece muitas vezes quando as suas relações e expressões de afeto se tornam visíveis. O facto da sociedade considerar não convencionais as relações entre pessoas do mesmo sexo, não as aceitando nem respeitando, faz com que estas pessoas não vivam livremente os seus sentimentos e relações, com receio de serem insultadas ou ostracizadas.
De igual forma, encontramos estas pressões face a todos aqueles que sendo LGBT vivem relações poliamorosas. Defendemos, por isso, que ninguém deve ser discriminado pelos seus sentimentos de afeto para com outros nem tão pouco as suas relações podem ser postas em causa por não corresponderem às representações dominantes nos relacionamentos da sociedade atual.
No campo relacional, defendemos o bem-estar e o amor sob qualquer forma e sem preconceitos, incluindo todas as formas de parentalidade.
Pretendemos assim alertar para os problemas
decorrentes de todos os estereótipos, preconceitos, ódios e atitudes negativas:
homofobia e bifobia, sexismo e papéis de género estereotipados,
heteronormatividade e mononormatividade, transfobia, queerfobia e todos os
binarismos, além da discriminação contra pessoas seropositivas.
Em defesa da comunidade trans
Entre os muitos problemas que a comunidade transexual enfrenta no seu dia a dia, um dos mais graves acontece no decorrer dos processos médico-psiquiátricos. Uma larga maioria de psiquiatras e psicólogos não respeita as diretrizes europeias nem as normas de procedimento da Associação Mundial Profissional da Saúde Transgénero (WPATH), Estes profissionais insistem em avaliar as pessoas mediante critérios aleatórios ditados pelos seus próprios preconceitos, os quais se revelam inultrapassáveis.
Considerando que isto acontece devido à falta de uniformidade de critérios de avaliação, exigimos que a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Psicólogos deliberem para que os critérios de avaliação seguidos por todos os profissionais sejam os da Associação Mundial Profissional da Saúde Transgénero, evitando assim casos em que não é avaliada a identidade de género da pessoa em causa mas sim a sua vontade de se submeter à Cirurgia de Reatribuição de Sexo.
Exigimos também a disponibilidade imediata de
toda a informação pertinente referente a técnicas, médicos e experiência sobre
as cirurgias efetuadas em Coimbra que têm estado a ser ocultadas da comunidade,
para que seja possível a qualquer pessoa transexual avaliar e decidir se deseja
submeter-se às mesmas, considerando que, de acordo com a informação disponível
até ao momento, tais cirurgias representam uma enorme perda de qualidade
comparando com as que se faziam em Lisboa. A ser este o caso, exigimos a
manutenção das técnicas usadas em Lisboa pois qualquer perda de qualidade nestas
cirurgias refletir-se-à para o resto da vida das pessoas trans sendo portanto
inaceitável.
Da mesma forma, exigimos o fim da influência da Ordem dos Médicos na apreciação dos processos de transexualidade e que seja respeitada a autonomia das equipas multidisciplinares tal como está definido pela lei 7/2011.
Tal como a generalidade das redes LGBT no mundo e ativistas trans, juntamo-nos assim à Transgender Europe e à Ilga Europa que já em 2009 afirmavam, na Declaração da Conferência Sobre Direitos Trans anterior à Conferência Anual de 2009 da Ilga Europa, em Malta: «Queremos uma Europa onde assistência médica hormonal e cirúrgica adequada e subvencionada esteja disponível de maneira não patologizante a todas as pessoas trans que o procurem, e onde a nenhuma pessoa trans seja exigido que se submeta a qualquer tratamento médico compulsivo (como a esterilização ou as cirurgias de reatribuição sexual) ou a um diagnóstico de doença mental de forma a mudar o seu género e ou nome legal.»
Em defesa dos seniores
Pessoas seniores de todas as orientações sexuais e identidades de género enfrentam a expectativa social de que devem ser assexuadas. Lares e outras instituições que trabalham com a população sénior têm frequentemente políticas aversivas quanto à expressão da afetividade e da sexualidade dos seus utentes. Isso é particularmente verdade em relação aos utentes que se identificam como LGBT, levando muitos destes, mesmo aqueles já anteriormente assumidos, a ponderar voltar para dentro do armário quando ingressam numa instituição desse tipo. É importante combater estas políticas e contextos que coagem os indivíduos quanto à expressão da sua afetividade em anos avançados da sua vida.
Pessoas seniores de todas as orientações sexuais e identidades de género enfrentam a expectativa social de que devem ser assexuadas. Lares e outras instituições que trabalham com a população sénior têm frequentemente políticas aversivas quanto à expressão da afetividade e da sexualidade dos seus utentes. Isso é particularmente verdade em relação aos utentes que se identificam como LGBT, levando muitos destes, mesmo aqueles já anteriormente assumidos, a ponderar voltar para dentro do armário quando ingressam numa instituição desse tipo. É importante combater estas políticas e contextos que coagem os indivíduos quanto à expressão da sua afetividade em anos avançados da sua vida.
Em
defesa da parentalidade saudável
As crianças têm direito a uma vida
familiar saudável, com amor parental e estabilidade.
Defendemos a adoção de
crianças por casais do mesmo sexo ou famílias «não convencionais» que cumpram os
mesmos requisitos exigidos por lei para todos os outros casos.
Defendemos também o vínculo legal das crianças
às famílias, independentemente da sua configuração. É inadmissível que um filho
ou filha fique sem ligação a uma das partes da família nuclear, como é o caso
dos casais de pessoas do mesmo sexo com um pai legalmente incógnito ou por
ocasião da morte da mãe biológica.
Também as técnicas de procriação medicamente
assistida devem ser postas ao serviço de casais de mulheres que desejem ter
filhos biológicos ou de todas as mulheres que a elas queiram recorrer. A atual
lei ao impedi-lo mais não faz do que perpetuar a discriminação com base na
orientação sexual dificultando ou impedindo a procriação para muitas
pessoas.
Em defesa da prevenção da infeção pelo VIH
Face ao aumento da transmissão do VIH entre as pessoas GBT advogamos pelo acesso equitativo à prevenção efetiva da infeção pelo VIH, ao diagnóstico precoce, tratamento e serviços de apoio pensados para responder às necessidades das pessoas transgénero, dos homens gay, bissexuais e outros homens que têm sexo com homens, incluindo aqueles que vivem com VIH. Obviamente a par com respostas adequadas a migrantes, pessoas que usam drogas, pessoas detidas e trabalhadores sexuais notando a especial vulnerabilidade das mulheres nestes grupos ou em situação de violência sexual.
Face ao aumento da transmissão do VIH entre as pessoas GBT advogamos pelo acesso equitativo à prevenção efetiva da infeção pelo VIH, ao diagnóstico precoce, tratamento e serviços de apoio pensados para responder às necessidades das pessoas transgénero, dos homens gay, bissexuais e outros homens que têm sexo com homens, incluindo aqueles que vivem com VIH. Obviamente a par com respostas adequadas a migrantes, pessoas que usam drogas, pessoas detidas e trabalhadores sexuais notando a especial vulnerabilidade das mulheres nestes grupos ou em situação de violência sexual.
A nossa luta
Quando a maioria da população se vê confrontada com o ataque aos seus direitos básicos, facilmente negligencia a necessidade de construir uma sociedade mais igualitária e livre de discriminações.
Esta é mais uma das razões pelas quais é fundamental construir um discurso e uma ação capazes de defender as pessoas LGBT e lutar pelos direitos ainda por conquistar. E é mais uma das razões pelas quais estamos juntos e em força na Marcha do Orgulho LGBT em 2012.
pessoas de que temos prazer de nos lembrar: Mário Viegas
ResponderEliminarPublicado por Fabian Figueiredo
Nunca tive o prazer de o conhecer. Infelizmente a natureza tornou-o impossível. Podia ter sido meu contemporâneo político, assim não o foi, o que nunca me impediu de sentir admiração por alguém que fisicamente nunca me foi próximo. Do seu manifesto anti-cavaco, à tão certeira frase "Europa Não, Portugal Nunca" e acima de tudo à sua coragem frontal que aqui reproduzo: Em Setembro desse ano [1995], o deputado do Partido Socialista Carlos Candal publica o famoso Breve Manifesto Anti-Portas em Português Suave, onde insinua que Paulo Portas, então candidato pelo CDS às eleições legislativas, é homossexual. Mário Viegas aparece então numa conferência de imprensa da UDP, partido pelo qual se candidataria mais tarde à Presidência da República, e afirma: “Sou homossexual assumido, estou na política e a UDP nunca me colocou qualquer entrave”. Classifica como “nojento” o manifesto de Candal, porque “ofende milhões de homossexuais que sofrem perseguições”(1).
Não sei porquê, mas lembrei-me dele.
Este ano celebraremos o seu 64º aniversário, é uma bela altura para nos relembrarmos que não nos devemos esquecer dele.
(1)http://timeout.sapo.pt/news.asp?id_news=2513