sábado, 4 de fevereiro de 2012

Lido por aí... # 26

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"Custe o que custar", a crónica de José Manuel Pureza na edição de ontem do Diário de Notícias:
 
Talvez seja um caso de afirmação adolescente, não sei. O certo é que o Governo enveredou nos últimos tempos por uma estratégia de emancipação relativamente à troika. Passos Coelho põe toda a sua convicção na jura aos senhores da troika de que "fazemos isto por nós, não por vós" e de que "como gente adulta e madura, vamos cumprir o que lá está. Custe o que custar".
 
A direita que nos governa enche-se de brios e dispensa a tutela de Berlim e de Bruxelas para estraçalhar o País. Há tanto de bluff quanto de fé nisto. Passos e o seu Governo são executivos do ideário económico liberal e creem profundamente nas virtudes do que pensam ser a purificação do País pelo laissez faire. Estamos em tempos de irredentismos e Passos e Portas são homens destes tempos. Mas, quando a coisa apertar, quando o "custe o que custar" tiver fatura política alta, lá virão eles lembrar a Seguro que o PS assinou o acordo com a troika e que o memorando é que é lei suprema. E Seguro, em pose grave de "sentido de Estado", dará o ámen pela enésima vez. Enfim, adolescências mal resolvidas. Borbulhagens.
 
O certo é que o "custe o que custar" é uma ameaça. E como tal deve ser encarada. Custe o que custar não é, para o Governo, um modo mas sim uma substância. É um projeto. Significa arrasar a sociedade, os seus laços, os seus mecanismos de proteção e imolar tudo em nome de uma lógica de competitividade interna e externa ficando os destroços ao cuidado da caridade e da assistência. A direita ideológica tem dos portugueses a mesma opinião que de nós faz a Europa do Norte: que somos uns preguiçosos, que vivemos encostados aos subsídios pagos pelos outros, que somos avessos ao rigor. E a sua ambição é tornar-nos alemães, custe o que custar. A ironia da coisa é que a aversão ao risco, a dependência do Estado e a aldrabice das contas é o mais fiel retrato da direita social e económica que nos levou, de BPN em BPN até onde estamos...
 
A ameaça do "custe o que custar" não se confina, porém, à ordenação económica e social. As liberdades públicas não lhe escaparão. O silenciamento de Pedro Rosa Mendes após a sua denúncia da bajulice oficialista da RTP ao Governo de José Eduardo dos Santos tem esse significado muito preciso: doravante, quem se meter com os amigos económicos do Governo leva. Miguel Relvas, responsável político por este insuportável ato de censura, declarou ontem em entrevista à rádio pública que "não tem opinião" sobre se as crónicas de Pedro Rosa Mendes deveriam continuar. Eis, cristalino, o "custe o que custar" em ação: a liberdade de opinião não terá nele um defensor - ele não tem opinião sobre isso - se ela incomodar os ditadores que compram bancos em Portugal e governam sem democracia os países para onde Relvas aconselha os jovens altamente qualificados que o seu Governo condena ao desemprego e à falta de horizontes a emigrarem.
 
O modo frio e contabilístico como Miguel Relvas acolhe (promove?) a censura mostra o espaço que o "custe o que custar" pode abrir à vulnerabilização das liberdades. O mesmo Relvas, na mesma entrevista, avisou que "os portugueses que não vivem na esquizofrenia de alguns, os portugueses que não vivem dos dinheiros do Estado, os portugueses que querem ter esperança, os portugueses que querem ter emprego, os portugueses que querem ter futuro, querem ter uma estratégia para o País". Os críticos são pois antipatriotas, inimigos dos portugueses simples que não se metem em política e querem é trabalhar. Onde é que eu já ouvi isto?


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