terça-feira, 19 de abril de 2011

Entre nós e as palavras # 20


O dia abre as pálpebras lentamente
arroxeando as colinas e a água
quieta da ribeira
É fim de Abril e a memória
traz-me ou inventa paisagens de saudade
embora eu me limite a descerrar
a janela e espreitar os prédios fronteiros
sempre iguais enquanto à porta do supermercado
cresce desordenadamente
a fila dos mais apressados
Os meus campos agora são de cinza
e neles corre apenas o rio da tristeza
Ontem trouxeram-me cravos de Abril
e canções que eu tinha quase esquecido
“O trabalho contra o capital”…
Rimos cantámos e custou-me muito
depois vê-los partir
O universo está à beira da loucura
globalizado na riqueza de poucos
e egoístas e há tufões incêndios e maremotos
e desumanas guerras torturas e massacres
A língua venenosa da serpente os touros
de fogo os céus que estremecem e ameaçam
esmagar de todos os mais indefesos
A máscara destes horrores é a falsa
democracia que já foi árvore de sol
e agora por vezes é lama em que
se tropeça e quase se perde a esperança
Fico-me com a minha angústia
e este tão breve aroma de Abril
intervalo de luz que me trouxeram

Urbano Tavares Rodrigues – “Angústia”


(Fotografia: Pessoa N Beat - "Uma tristeza profunda") 

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