Um bom acordo para os do costume por Daniel Oliveira Anteontem à noite, José Sócrates disse-nos o que não seria o acordo com a troika. Ontem ficámos a saber o que era esse acordo. Sócrates teve uma vitória conquistada à custa de uma inteligente gestão de expectativas. Durante duas semanas foi lançando o cenário da hecatombe. Com o País preparado para a forca tinha boas notícias para nos dar: a morte será por injeção letal. Alívio!
As medidas deixam claro o que estamos perante um assalto aos cofres públicos. Por cada nota de vinte euros que nos emprestam e que devolveremos com juros três euros vão diretamente para os bancos. Estamos a pagar pela terceira vez - primeiro foram os resgates, depois foram os juros - a recapitalização da banca. A que praticamente não paga impostos. Não se pode dizer que não sejamos generosos.
Das medidas que conhecemos destaco, por agora, duas áreas: privatizações e mudanças nas leis laborais.
Num momento em que se jura querer diminuir o défice, a privatização dos Correios significará mais prejuízo para o Estado. É que os CTT, vendidos em tempo de aflição e sem possibilidade de recuo, dão hoje lucro. Curiosa é a política para a CP. Depois de impedirem as indemnizações compensatórias e exigirem a racionalização de uma das redes mais pequenas da Europa, propõem a privatização de linhas suburbanas (no PEC 4 só de falava de concessão) e que o Estado fique com o resto. Ou seja, privatiza-se o que dá lucro e garante-se, por falta de financiamento, a falência do resto. Para um País com uma grande dependência energética (mais uma razão para o nosso endividamento externo) não deixa de ser interessante a obrigação de aumentar substancialmente o preço dos transportes. A coisa é compensada com o aumento do imposto automóvel. Andar a pé parece ser a alternativa para quem, no fim disto tudo, ainda tiver de se deslocar para o emprego.
A liberalização dos despedimentos associada à redução das prestações sociais para os desempregados garantirá a perda de poder negocial aos trabalhadores e ajudará à contração dos salários, com efeitos nefastos para a economia interna, para as receitas fiscais e para a competitividade - no campeonato do trabalho desqualificado e barato perderemos sempre.
O que tem a privatização do que dá lucro, a liberalização dos despedimentos e o financiamento da banca à nossa custa a ver com a redução da nossa dívida pública, que tão insistentemente dizem ser o nosso problema? Nada. Tem a ver com uma agenda ideológica cega - a que trouxe a Europa e os EUA a uma sucessão de crises - que corresponde a uma política à escala global: transferência dos recursos públicos e dos recursos dos trabalhadores para cofres privados, sobretudo de um setor financeiro em apuros.
Uma proposta: leiam as medidas sem preconceitos. Digam-me se acreditam que, depois delas, daqui a cinco anos, teremos as nossas contas públicas mais saudáveis e a nossa crónica falta de crescimento resolvida. Se a resposta for negativa terão de se perguntar: o que vieram estes senhores cá fazer? A resposta é simples: o que estão a fazer em todo o lado. A resolver os problemas de quem tem enriquecido jogando com as nossas vidas.
Cansado de me queixar da bovinidade de um povo que caminha de cornos baixos para mais 4 anos de matadouro, farto de apontar o dedo aos partidos de esquerda e à forma como persistem em querer despontar quem espera mais deles, decidi uma série de coisas. Uma delas foi ir ontem à chamada “Acção de Protesto contra as medidas do FMI”, convocada pelo PCP. Sabia que já lá tinha ocorrido uma outra acção similar e que tinha redundado em triste fiasco, por falta de quórum. Vai daí, lá fui fazer número. E fiz mal. Aquilo não foi um protesto mas sim um encontro de amigos. De sócios de um clube. Quase todos tinham a sua bandeira da CDU. Todos virados para dentro, para o palanque, para longe de quem passava, uns para os outros. É só ver a realização deste clip, já muito gabada no facebook, para se vislumbrar o retrato inteiro de uma esquerda que desistiu de falar para fora. Que já se contenta em abraços mútuos dentro da trincheira, com medo do que haja para lá do horizonte de lama, luta e suor conhecido. Lá longe, os passantes continuavam a embarcar na estação fluvial como se aquilo nada tivesse a ver com eles. A animação e empenho vinha de uma tuna semi-alcoolizada ali perto. Mais vida só à saída, findo o trabalho, quando se combinavam encontros no Vitória ou junto a uns caracóis. Outras metáforas tristemente adequadas. Há uns tempos, o PCP só fazia destas coisas a sério. Se era para mobilizar, estaria lá gente, com corpos e mentes alertas e alegres. Pelo seu lado, o Bloco segue com iniciativas mais viradas para os media, quase desistindo do contacto não-mediado com o eleitor, com gente que até pode ser convencida a votar diferente. Se calhar, antes isso. Não consigo perceber como chegámos a estes becos sem saída à vista. Mas ainda não desisti de fazer o pouco que conseguir. Nem que seja só para depois não ter de me queixar também de mim. Isto não pode acabar assim.
A crise e as políticas recessivas de austeridade geram desemprego. O número de casais desempregados quase triplicou nos últimos cinco meses e a taxa de desemprego, segundo previsão, que provavelmente será revista em alta, chegará, em 2013, aos 13 por cento. O desemprego que conta é obviamente um fenómeno involuntário e tem custos sociais elevadíssimos.
Curiosamente, a troika e a economia convencional agem como se o desemprego fosse um fenómeno sobretudo voluntário. O seu modelo, que orienta as políticas públicas, é uma versão sofisticada do "vão trabalhar, malandros". Um modelo que prospera em tempos de crise devido ao medo e à desconfiança.
De facto, a justificação para a redução planeada dos montantes e da duração do subsídio de desemprego centra-se na geração de mais "incentivos" à busca de emprego. É como se os indivíduos, egoístas e preguiçosos por natureza, precisassem de uma maior pressão, como se a responsabilidade pelo desemprego fosse sua e não de uma crise sem fim à vista.
Na realidade, o objectivo central, a lógica de todas as modificações laborais é fazer com que os trabalhadores, os que têm emprego e os que não têm, aceitem uma redução substancial dos seus rendimentos. A redução de salários, sobretudo na base, é a receita medíocre que é imposta ao país.
Numa formulação propositadamente ambígua, parece que há uma intenção vaga de vir a "apresentar uma proposta" para eventualmente alargar um subsídio de desemprego, agora mais frágil, a certas categorias excluídas. De vagas intenções está este inferno laboral cheio.
Será que esta é a economia, com muito medo, própria de países com trabalhadores desqualificados e precários, de que necessitamos? Obviamente que não. Uma economia moderna, uma economia que dê incentivos à formação e à inovação, não trata assim os trabalhadores, não desiste com esta facilidade de políticas económicas que combatam a crise e gerem emprego.
O FMI aprendeu alguma coisa (à custa dos gregos e irlandeses)?
O FMI aprendeu alguma coisa com a experiência da Grécia e da Irlanda? A minha resposta é: sim e não.
O FMI parece ter aprendido que a austeridade em contexto recessivo tem efeitos muito mais negativos no crescimento e no emprego do que ainda há bem pouco tempo supunha.
Temos assim neste pacote cortes profundos na despesa pública e aumentos de impostos e taxas comparáveis, senão superiores, aos do Orçamento de 2011 e do PECIV, associados a uma previsão de recessão com duração de dois anos, em 2011 e 2012 (com uma queda do PIB real acumulada de mais de 5%). Estamos assim longe dos cenários idílicos de austeridade com crescimento do governo Sócrates e dos economistas que aconselham o PSD.
Este pacote não é nada suave. Os cortes na despesa pública e os aumentos de taxas, impostos e preços de serviços públicos têm um impacto maior no orçamento familiar do que qualquer corte no décimo quarto mês. Os efeitos previstos no défice e na dívida é que são moderados, mais reduzidos e lentos do que os que o governo anteriormente prometia com medidas semelhantes.
Mas o FMI ainda não aprendeu que o crescimento, e a consolidação orçamental pela via do crescimento, só são possíveis com investimento (necessariamente público porque em recessão os privados, quando não abrem falência, só “investem” em activos financeiros ou pagam dívidas).
O aumento da competitividade de que fala o FMI, e que recomenda como via para o crescimento pelas exportações, seria conseguido exclusivamente à custa da redução dos custos salariais directos e indirectos. É por isso que este pacote vai longe nas medidas destinadas a pressionar a descida dos salários: montante, duração e condições de acesso ao subsídio do desemprego, agilização do despedimento individual, não pagamento de prestação de trabalho extraordinário, etc.
No entanto, a descida dos salários nominais não só é difícil de conseguir quando os salários são muito baixos, como não aumentaria a competitividade da economia portuguesa, não favoreceria o crescimento e não reduziria o desemprego de jovens e menos jovens. As medidas de desprotecção dos desempregados terão como efeito o aumento da “informalidade” e da ilegalidade e a expansão da economia familiar de subsistência. Mas isso são coisas que os tecnocratas do FMI não podem compreender, tal é a distância entre os seus modelos mentais e a realidade da sociedade portuguesa.
Essa será mais uma lição que o FMI terá de aprender, infelizmente à nossa custa. Postado por José M. Castro Caldas
Um bom acordo para os do costume
ResponderEliminarpor Daniel Oliveira
Anteontem à noite, José Sócrates disse-nos o que não seria o acordo com a troika. Ontem ficámos a saber o que era esse acordo. Sócrates teve uma vitória conquistada à custa de uma inteligente gestão de expectativas. Durante duas semanas foi lançando o cenário da hecatombe. Com o País preparado para a forca tinha boas notícias para nos dar: a morte será por injeção letal. Alívio!
As medidas deixam claro o que estamos perante um assalto aos cofres públicos. Por cada nota de vinte euros que nos emprestam e que devolveremos com juros três euros vão diretamente para os bancos. Estamos a pagar pela terceira vez - primeiro foram os resgates, depois foram os juros - a recapitalização da banca. A que praticamente não paga impostos. Não se pode dizer que não sejamos generosos.
Das medidas que conhecemos destaco, por agora, duas áreas: privatizações e mudanças nas leis laborais.
Num momento em que se jura querer diminuir o défice, a privatização dos Correios significará mais prejuízo para o Estado. É que os CTT, vendidos em tempo de aflição e sem possibilidade de recuo, dão hoje lucro. Curiosa é a política para a CP. Depois de impedirem as indemnizações compensatórias e exigirem a racionalização de uma das redes mais pequenas da Europa, propõem a privatização de linhas suburbanas (no PEC 4 só de falava de concessão) e que o Estado fique com o resto. Ou seja, privatiza-se o que dá lucro e garante-se, por falta de financiamento, a falência do resto. Para um País com uma grande dependência energética (mais uma razão para o nosso endividamento externo) não deixa de ser interessante a obrigação de aumentar substancialmente o preço dos transportes. A coisa é compensada com o aumento do imposto automóvel. Andar a pé parece ser a alternativa para quem, no fim disto tudo, ainda tiver de se deslocar para o emprego.
A liberalização dos despedimentos associada à redução das prestações sociais para os desempregados garantirá a perda de poder negocial aos trabalhadores e ajudará à contração dos salários, com efeitos nefastos para a economia interna, para as receitas fiscais e para a competitividade - no campeonato do trabalho desqualificado e barato perderemos sempre.
O que tem a privatização do que dá lucro, a liberalização dos despedimentos e o financiamento da banca à nossa custa a ver com a redução da nossa dívida pública, que tão insistentemente dizem ser o nosso problema? Nada. Tem a ver com uma agenda ideológica cega - a que trouxe a Europa e os EUA a uma sucessão de crises - que corresponde a uma política à escala global: transferência dos recursos públicos e dos recursos dos trabalhadores para cofres privados, sobretudo de um setor financeiro em apuros.
Uma proposta: leiam as medidas sem preconceitos. Digam-me se acreditam que, depois delas, daqui a cinco anos, teremos as nossas contas públicas mais saudáveis e a nossa crónica falta de crescimento resolvida. Se a resposta for negativa terão de se perguntar: o que vieram estes senhores cá fazer? A resposta é simples: o que estão a fazer em todo o lado. A resolver os problemas de quem tem enriquecido jogando com as nossas vidas.
O auto-cerco
ResponderEliminarpor Luis Rainha
Cansado de me queixar da bovinidade de um povo que caminha de cornos baixos para mais 4 anos de matadouro, farto de apontar o dedo aos partidos de esquerda e à forma como persistem em querer despontar quem espera mais deles, decidi uma série de coisas.
Uma delas foi ir ontem à chamada “Acção de Protesto contra as medidas do FMI”, convocada pelo PCP. Sabia que já lá tinha ocorrido uma outra acção similar e que tinha redundado em triste fiasco, por falta de quórum. Vai daí, lá fui fazer número.
E fiz mal. Aquilo não foi um protesto mas sim um encontro de amigos. De sócios de um clube. Quase todos tinham a sua bandeira da CDU. Todos virados para dentro, para o palanque, para longe de quem passava, uns para os outros. É só ver a realização deste clip, já muito gabada no facebook, para se vislumbrar o retrato inteiro de uma esquerda que desistiu de falar para fora. Que já se contenta em abraços mútuos dentro da trincheira, com medo do que haja para lá do horizonte de lama, luta e suor conhecido.
Lá longe, os passantes continuavam a embarcar na estação fluvial como se aquilo nada tivesse a ver com eles. A animação e empenho vinha de uma tuna semi-alcoolizada ali perto. Mais vida só à saída, findo o trabalho, quando se combinavam encontros no Vitória ou junto a uns caracóis. Outras metáforas tristemente adequadas.
Há uns tempos, o PCP só fazia destas coisas a sério. Se era para mobilizar, estaria lá gente, com corpos e mentes alertas e alegres.
Pelo seu lado, o Bloco segue com iniciativas mais viradas para os media, quase desistindo do contacto não-mediado com o eleitor, com gente que até pode ser convencida a votar diferente. Se calhar, antes isso.
Não consigo perceber como chegámos a estes becos sem saída à vista. Mas ainda não desisti de fazer o pouco que conseguir. Nem que seja só para depois não ter de me queixar também de mim. Isto não pode acabar assim.
O desemprego é involuntário
ResponderEliminarA crise e as políticas recessivas de austeridade geram desemprego. O número de casais desempregados quase triplicou nos últimos cinco meses e a taxa de desemprego, segundo previsão, que provavelmente será revista em alta, chegará, em 2013, aos 13 por cento. O desemprego que conta é obviamente um fenómeno involuntário e tem custos sociais elevadíssimos.
Curiosamente, a troika e a economia convencional agem como se o desemprego fosse um fenómeno sobretudo voluntário. O seu modelo, que orienta as políticas públicas, é uma versão sofisticada do "vão trabalhar, malandros". Um modelo que prospera em tempos de crise devido ao medo e à desconfiança.
De facto, a justificação para a redução planeada dos montantes e da duração do subsídio de desemprego centra-se na geração de mais "incentivos" à busca de emprego. É como se os indivíduos, egoístas e preguiçosos por natureza, precisassem de uma maior pressão, como se a responsabilidade pelo desemprego fosse sua e não de uma crise sem fim à vista.
Na realidade, o objectivo central, a lógica de todas as modificações laborais é fazer com que os trabalhadores, os que têm emprego e os que não têm, aceitem uma redução substancial dos seus rendimentos. A redução de salários, sobretudo na base, é a receita medíocre que é imposta ao país.
Numa formulação propositadamente ambígua, parece que há uma intenção vaga de vir a "apresentar uma proposta" para eventualmente alargar um subsídio de desemprego, agora mais frágil, a certas categorias excluídas. De vagas intenções está este inferno laboral cheio.
Será que esta é a economia, com muito medo, própria de países com trabalhadores desqualificados e precários, de que necessitamos? Obviamente que não. Uma economia moderna, uma economia que dê incentivos à formação e à inovação, não trata assim os trabalhadores, não desiste com esta facilidade de políticas económicas que combatam a crise e gerem emprego.
Artigo no Público
Postado por João Rodrigues
O FMI aprendeu alguma coisa (à custa dos gregos e irlandeses)?
ResponderEliminarO FMI aprendeu alguma coisa com a experiência da Grécia e da Irlanda? A minha resposta é: sim e não.
O FMI parece ter aprendido que a austeridade em contexto recessivo tem efeitos muito mais negativos no crescimento e no emprego do que ainda há bem pouco tempo supunha.
Temos assim neste pacote cortes profundos na despesa pública e aumentos de impostos e taxas comparáveis, senão superiores, aos do Orçamento de 2011 e do PECIV, associados a uma previsão de recessão com duração de dois anos, em 2011 e 2012 (com uma queda do PIB real acumulada de mais de 5%). Estamos assim longe dos cenários idílicos de austeridade com crescimento do governo Sócrates e dos economistas que aconselham o PSD.
Este pacote não é nada suave. Os cortes na despesa pública e os aumentos de taxas, impostos e preços de serviços públicos têm um impacto maior no orçamento familiar do que qualquer corte no décimo quarto mês. Os efeitos previstos no défice e na dívida é que são moderados, mais reduzidos e lentos do que os que o governo anteriormente prometia com medidas semelhantes.
Mas o FMI ainda não aprendeu que o crescimento, e a consolidação orçamental pela via do crescimento, só são possíveis com investimento (necessariamente público porque em recessão os privados, quando não abrem falência, só “investem” em activos financeiros ou pagam dívidas).
O aumento da competitividade de que fala o FMI, e que recomenda como via para o crescimento pelas exportações, seria conseguido exclusivamente à custa da redução dos custos salariais directos e indirectos. É por isso que este pacote vai longe nas medidas destinadas a pressionar a descida dos salários: montante, duração e condições de acesso ao subsídio do desemprego, agilização do despedimento individual, não pagamento de prestação de trabalho extraordinário, etc.
No entanto, a descida dos salários nominais não só é difícil de conseguir quando os salários são muito baixos, como não aumentaria a competitividade da economia portuguesa, não favoreceria o crescimento e não reduziria o desemprego de jovens e menos jovens. As medidas de desprotecção dos desempregados terão como efeito o aumento da “informalidade” e da ilegalidade e a expansão da economia familiar de subsistência. Mas isso são coisas que os tecnocratas do FMI não podem compreender, tal é a distância entre os seus modelos mentais e a realidade da sociedade portuguesa.
Essa será mais uma lição que o FMI terá de aprender, infelizmente à nossa custa.
Postado por José M. Castro Caldas