Graças aos autores do blogue Aventar, a quem desde já agradecemos a iniciativa, o memorando da troika encontra-se integralmente traduzido para português - a tradução pode ser lida/descarregada aqui.
Agora já não tens desculpa para não leres/conheceres o que a troika, o PS, o PSD e o CDS te reservaram para os próximos anos.
Reestruturar para mudar
ResponderEliminarAs recentes notícias gregas, da inevitável reestruturação aos rumores sobre saída do euro, mostram, se fosse ainda necessário, o quão disfuncional tem sido a gestão europeia da crise da dívida. A reestruturação é recusada sobretudo porque tal acção implicaria perdas para a banca europeia (com França e Alemanha à cabeça). No entanto, com a insustentabilidade da dívida cada vez mais clara, a União Europeia terá de agir. A voz oficial do sector financeiro internacional, o Financial Times, coloca duas opções: ou se reestrutura a dívida agora, englobando os credores privados na factura, ou o fundo de estabilização assume a dívida grega e intervém no mercado secundário, comprando dívida – a preço de desconto, o que equivale a reestruturação de facto – até conseguir uma situação em que a Grécia consiga voltar aos mercados financeiros. A segunda opção seria assim uma fuga para a frente na governação económica europeia, já que a UE garantiria a dívida de um dos seus membros sem qualquer prazo. Uma solução próxima das propostas das euro-obrigações. É muito questionável se há condições políticas para tal passo, mas sendo a alternativa a imposição de custos elevados ao capital financeiro, a minha aposta vai para medidas que vão neste sentido. No entanto, este enquadramento não resolverá o problema. Como o título do editorial defende – “Atenas tem de ser colocada entre a espada e a parede”, tal enquadramento teria de ter como uma contrapartida a imposição de mais austeridade a um povo exaurido. Enganam-se se pensam que não há limites sociais ao ciclo vicioso de austeridade, recessão e desemprego. Perante este desastre, e perante a sua repetição em Portugal, torna-se cada vez mais urgente a reestruturação da dívida liderada pelos devedores.
Postado por Nuno Teles às 11.5.11
O insustentável cinismo dos austeritários
ResponderEliminar«Nós temos que fazer escolhas. Quando me dão dinheiro, eu escolho. Ou poupo ou consumo. E, no consumo, ou compro A ou compro B. Quer dizer... eu às vezes o que tenho de dinheiro é pouco, ou vou ao cinema ou compro as pipocas. Se não dá para as duas coisas, o que é que eu prefiro? Ficar cá fora a comer pipocas ou ir ver o filme?». Assim sintetiza João Duque, no evento final da iniciativa Mais Sociedade, os dilemas da austeridade.
A deterioração da situação financeira das famílias, decorrente dos cortes salariais, do agravamento das condições de acesso aos serviços públicos e do aumento de impostos, não significa mais, portanto, do que um universo de questões lúdicas. Trata-se apenas de optar entre coisas supérfluas, como cinema e pipocas. E não de escolher entre poder pagar a prestação da casa ou do carro, entre levar carne e fruta para casa, ou entre o manual escolar de matemática e o de português, de que os filhos necessitam. É tudo apenas uma questão de cinema e pipocas. Se por exemplo um indivíduo vai às putas, só tem que passar a decidir se quer entrar ou ficar cá fora a beber uma taça de vinho verde. Se não der para as duas coisas, o que é que prefere?
Para o moralismo cínico e abjecto dos austeritários é tudo muito simples.
Postado por Nuno Serra às 11.5.11
Vamos ajudar?
ResponderEliminarUm ano depois do que só com muita ignorância ou desfaçatez ainda se designa por “ajuda”, como está a Grécia? Quebra do PIB de 4,3%, desemprego galopante, que já vai nos 14,7%, défice e dívida revistos em alta. Os efeitos perversos da austeridade não têm fim. Rumores sobre saída do euro à parte, a verdade, como afirma Paul Krugman, é que antes desse cenário, e talvez em vez dele, está, neste contexto europeu, a inevitabilidade da reestruturação da dívida para reduzir o seu fardo. É a arma das periferias para forçar um mínimo de racionalidade nesta desunião. É claro que isto vai contra a lógica da austeridade, cujo propósito é salvar o sector financeiro, os credores, evitando que tenham perdas por agora, quando ainda se está frágil devido à última crise. Duas alternativas: a ameaça da renegociação ou o conselho do economista Mark Weisbrot no New York Times: “podem ter a certeza que as autoridades europeias ofereceriam à Grécia um melhor acordo perante uma ameaça credível de saída do euro”.
Portugal vê-se grego. Weisbrot de novo: “Portugal acabou de concluir um acordo que prevê mais dois anos de recessão. Nenhum governo deve aceitar este tipo de punição.” Os juros anunciados para o empréstimo da UE – algures entre 5,5% e 6% – são incomportáveis. É que, segundo um estudo do próprio FMI, o esforço de consolidação orçamental em curso tem impactos recessivos fortes. No contexto mais favorável, ou seja, quando é possível desvalorizar a moeda e descer taxas de juro, por cada 1% de consolidação orçamental, o PIB cai 0,5%. Num contexto como o das periferias, em que essas opções não estão disponíveis, cada 1% austeridade tende a gerar uma quebra do PIB de 1%. A redução prevista no défice é de 6% do PIB. Façam as contas e veremos que os 4% de recessão nos próximos dois anos, seguidos de tímida recuperação, podem bem pecar por ser optimistas. Jorge Bateira já fez as contas, com pressupostos mais benevolentes, e a dinâmica de insolvência com esta engenharia neoliberal é clara.
Responsáveis são então aqueles que respondem com realismo à principal questão: renegociar a dívida agora, quando ainda temos alguma força económica, ou renegociar montantes, prazos e juros mais tarde quando tivermos ainda mais exauridos por anos de capitalismo de pilhagem? Promova-se uma auditoria à dívida para preparar a sua renegociação e talvez alguma racionalidade, alguma decência, alguma clarividência, surja entre estas elites políticas. Tudo o resto é incompetência, irresponsabilidade e pilhagem. Tudo o resto é a política de bloco central.
Publicado no Arrastão.
Postado por João Rodrigues
Dizer: basta!
ResponderEliminarOs rumores sobre a saída grega do euro são elucidativos sobre o poder que a periferia europeia detém no panorama europeu. No momento em que sabemos os incríveis juros que nos serão cobrados pela EU - entre 5,5% e 6%, contra os 4% agora cobrados à Grécia -, vale a pena olhar com atenção para o que aconteceu em torno destas notícias.
A ameaça de saída foi noticiada pela imprensa alemã, segundo fontes do governo. É impossível perceber o que aconteceu na realidade, mas não é muito difícil acreditar que a ameaça tenha realmente existido. E claro, uma das formas de a minar é colocar a notícia em público quanto antes. Não há saídas do euro previamente anunciadas. De qualquer forma, o Governo grego conseguiu com esta manobra, real ou imaginária (sim, estas notícias também dão muito dinheiro à especulação financeira), um novo pacote de ajuda e uma discussão bastante mais profunda dos seus problemas e alternativas, como já discuti neste post.
No relançado debate sobre a Grécia, surgiram dois interessantes textos no New York Times sobre uma possível saída da Grécia do euro. Um do economista Mark Weisbrot, co-director do excelente Center for Economic and Policy Research, e outro do Paul Krugman. Ambos discutem de forma séria, e não apocalíptica, como por cá vem sendo hábito, uma possível saída do euro. Desnecessário dizer que ambos os economistas concordam com a tragédia que são as actuais escolhas. Mark Wreisbrot, não desvalorizando o poder da ameaça de saída numa possível reforma europeia, defende esta escolha, partindo da experiência argentina.Uma desvalorização cambial permitiria maior competitividade externa e a soberania monetária conduziria a menores restrições de financiamento da economia. A inflação aumentaria neste contexto, com os seus prós e contras que ficam para outro texto.
Para este economista, e como devia ser claro para quem quer discutir o assunto, não há saída do euro sem uma reestruturação profunda da dívida externa total (pública e privada). Ora, uma reestruturação da dívida grega de, imaginemos 50%, colocaria o sistema financeiro europeu e mundial numa situação de grande fragilidade, devido à magnitude dos custos. A Argentina já não serve como comparação. Tal "corte de cabelo" seria inédito. Estas implicações merecem, por isso, mais reflexão.
Paul Krugman prefere, no entanto, assinalar outros contras, nomeadamente os problemas logísticos de tal decisão. Tais dificuldades não são muito credíveis. Uma mudança de moeda não necessitaria mais do que um "selo" nas anteriores notas em circulação. Foi o que aconteceu quando a Eslováquia e a Républica Checa se decidiram pela soberania monetária (uma decisão posterior à cisão política). Krugman aponta também os inevitáveis problemas de reputação internacional da Grécia que comparam com o longo historial argentino de incumprimento. Os problemas existem, mas sinceramente parece-me que, neste campo, já se ultrapassou, para a Grécia, o ponto de não retorno. Finalmente, o prémio Nobel assinala a importância desta ameaça nas negociações europeias. Tem razão e para estas ameaças serem credíveis, há que pensar mais e melhor.
Postado por Nuno Teles
Excepção à regra
ResponderEliminarA opinião económica em Portugal é, na sua maioria, parca em informação e reflexão. Não há campo mais aparentemente consensual do que o da opinião económica. Até o jornalismo económico (escrito) consegue ser mais plural. Em cada semana lemos imensos artigos que dizem basicamente o mesmo, normalmente limitados ao comentário das mais recentes notícias. Foi, aliás, a luta contra esta hegemonia que esteve por detrás da criação deste blogue.
No entanto, a motivação deste post é exactamente a contrária. Existem excepções. Uma delas é Cristina Casalinho, economista chefe do BPI, no Jornal de Negócios. A cautela na análise das políticas e mesmo na exposição da sua opinião (afinal, é economista chefe do BPI) é compensada pela sua capacidade analítica, bem informada, da economia portuguesa. Os seus artigos são, particularmente, das melhores fontes para quem queria aprender e perceber o que se passa no sector financeiro português. O seu último artigo é bastante claro na demonstração da insustentável trajectória do sector bancário. Deixo dois parágrafos do texto (vale a pena ler tudo):
"Importa recordar que a disponibilidade de crédito está circunscrita à capacidade de captação de depósitos, na medida em que os mercados de capitais estão encerrados para os bancos portugueses. Estes têm vindo a recorrer ao financiamento junto do BCE e ao mercado de reportes: crédito de curto prazo contra garantia de títulos de elevada qualidade, sobretudo para satisfazer reembolsos de dívida não-renovada. Se é verdade que a taxa de juro praticada pelo BCE é baixa (actualmente: 1.25%), refira-se que os títulos apresentados como colateral sofrem uma desvalorização pelo BCE, emprestando apenas uma parte (significativa) do valor dos títulos dados como garantia, encarecendo o empréstimo. O mercado, pela limitação das alternativas de financiamento, também exige um maior alinhamento entre crédito e depósitos. (…)
Num ambiente económico que se prevê recessivo nos próximos dois anos, com a persistência dos mercados encerrados para os bancos nacionais, pelo menos enquanto o Estado não conseguir voltar a financiar-se fora do âmbito do FMI/CE/BCE, com elevados custos de financiamento e pesadas carteiras de crédito à habitação, qual a justificação para os investidores no aumento do capital das instituições financeiras? E como se financiará a aceleração do ritmo de crescimento económico, assente inevitavelmente na expansão das exportações, com parco crédito para financiar os projectos de ampliação de capacidade produtiva? Qual a referência futura de custos de financiamento de longo prazo quando o Tesouro se encontra fora do mercado e as existentes taxas de mercado secundário têm relevância duvidosa? Qual a possibilidade de uma economia com crescimento potencial nominal de 3.5%/ano suportar, a prazo, "spreads" de 2.5% ou 3.5%, quando a Euribor caminha para valores acima de 2%, em todos os prazos, dentro de doze meses?"
Postado por Nuno Teles
Para não cair na situação da Grécia
ResponderEliminarA UE está num impasse. Após a execução de uma política de austeridade selvagem, a Grécia vê o peso da sua dívida sempre a crescer ao mesmo tempo que está previsto que "regresse aos mercados" em 2012, o fim da "ajuda". Mas as taxas do mercado estão mais altas do que há um ano. O que fazer agora?
Entre os especuladores é um dado adquirido que a Grécia terá de reestruturar a sua dívida. A única dúvida, como diz o Financial Times, é se será um processo negociado ou imposto. Se for imposto, causaria algum prejuízo aos bancos alemães e, sobretudo, ao BCE e aos vendedores de seguros deste tipo (CDS). Se for voluntário, não reduziria o valor em dívida mas teria de dilatar o seu vencimento mais uns 15-20 anos para de facto aliviar a pressão financeira. Uma condição com que os credores não simpatizam.
O editorial do FT defende que a UE dê continuidade ao financiamento à Grécia, mas na condição de lhe exigir que faça mais pela estabilidade das suas contas públicas. O título do editorial é sugestivo: "Deve-se apontar a pistola à Grécia".
Em Portugal, quando as «reformas estruturais» (as que tiverem sido concretizadas) não tiverem produzido o efeito pretendido - pôr a economia a crescer - estaremos na mesma situação em que está hoje a Grécia.
De uma coisa estou certo: a «reforma estrutural» do mercado de trabalho produzirá mais desemprego e menos procura, e não se vê que as restantes reformas (justiça, saúde, autarquias, etc.) possam estimular a procura interna. E sem procura interna não há crescimento das exportações que nos possam valer. Propor reformas estruturais como receita para o crescimento económico é má teoria económica ("economia da oferta"), releva da crença neoliberal.
Para não cair na situação da Grécia, Portugal terá de encontrar fontes de financiamento alternativas. Só assim poderá dizer BASTA e dar início a uma política económica de promoção do crescimento. Agora, defender a reestruturação unilateral da dívida pública e nada dizer sobre a forma de vencer a submissão financeira em que nos encontramos não passa de uma proposta política inconsequente. E os eleitores percebem isso.
Postado por Jorge Bateira
Os resultados da austeridade
ResponderEliminarRecuo de 0,7 por cento do PIB no primeiro trimestre oficializa recessão no país. Entretanto, a Comissão Europeia prevê uma retracção de 2,2% para este ano, pior do que a previsão da troika. Aposto que, dentro da mesma lógica insana da desconstrução europeia, vão recomendar um reforço da austeridade recessiva. Razão tem Stiglitz: a austeridade não funciona porque destrói a capacidade de criação de emprego.
Postado por João Rodrigues
As periferias têm de exigir em conjunto
ResponderEliminarGrécia volta a pedir emissão de obrigações europeias para combater crise. É isso ou a reestruturação. Mas, é claro, podemos começar pela última opção antes de chegarmos à primeira.
Postado por João Rodrigues