O debate do estado da Nação, na passada quinta-feira, constituiu mais uma oportunidade perdida para efectuar o diagnóstico da situação do país.
Entre o país fantasista que Sócrates construiu para si próprio, as tentativas infrutíferas do PS e do PSD de se distinguirem entre si ou o sound bite populista de Paulo Portas, pouco se discutiu efectivamente sobre as políticas governamentais que nos conduziram à situação actual.
O que importaria discutir seria a insistência desta coligação virtual, formada pelo PS e pelo PSD, numa via de sentido único, que sistematicamente ignora e rejeita todas as propostas alternativas que emergem da esquerda parlamentar.
Apesar dos esforços do BE e do PCP para que exista uma discussão séria sobre a construção de políticas alternativas ao actual modelo neoliberal, o que temos assistido é a uma crescente homogeneização do discurso político do PS, em conluio com as ideias defendidas pela direita e pela extrema-direita parlamentares.
Impulsionado pelas directrizes emanadas pela UE e pelos mercados (essas entidades abstractas, sem nome nem rosto), o governo de Sócrates insiste na adopção de medidas recessivas que, a curto prazo, tornarão ainda mais insustentável a situação económico-social do país.
É neste contexto de afunilamento ideológico que se torna fundamental dar visibilidade a opiniões que apontem alternativas e estimulem a discussão em torno de medidas divergentes às do modelo seguido pelo governo português e pelos seus congéneres europeus.
Vem isto a propósito do texto de Domingos Ferreira (professor e investigador da Texas University /Universidade Nova de Lisboa), intitulado “Ortodoxia e desemprego”, publicado no jornal Público, na passada sexta-feira.
Entre diversas críticas às medidas adoptadas pelos governos europeus, o autor avança com algumas ideias/propostas que contrariam as opções do que define como a ortodoxia económica dominante:
“[…] aquilo que alguns políticos têm alguma dificuldade em perceber, é que embora as medidas de controlo fiscal de longo prazo sejam determinantes, cortar na despesa pública durante uma economia em depressão e deflacionária pode ser fatal. Neste sentido, seria lastimável reduzir ou acabar com investimento público eficiente que proporcione encomendas às empresas, pois teriam um efeito multiplicador em toda a economia: proporcionando procura, emprego e riqueza fiscal. Seria obsceno reduzir, acabar ou não renovar os subsídios de desemprego ou de saúde, de integração social ou de subsistência, lançando milhões de famílias, por esta via, na indigência e resultando em menos procura, agravando mais a situação das pequenas e médias empresas, provocando mais desemprego.”
[…]
“O mainstream argumenta que o excessivo endividamento dos Estados não permite qualquer amplitude no endividamento. Porém, existem outras fontes de recursos significativos que os Estados poderão utilizar. De acordo com um estudo desenvolvido pela JP Morgan Research, na última década e meia as grandes companhias europeias (e americanas) retiveram lucros superiores a 1,7 por cento do Produto Interno Bruto. A razão para estes excessos de liquidez prende-se com o facto de os gestores estarem fundamentalmente obcecados com apresentação de lucros trimestrais, os quais se traduzem em bónus exorbitantes aos seus executivos, maiores dividendos aos seus accionistas ou simplesmente investimento na especulação financeira.
Por conseguinte, os dirigentes políticos deverão criar e reforçar os incentivos ao reinvestimento desses lucros nas respectivas organizações. Criando uma taxa agressiva sobre lucros não reinvestidos nos dois anos subsequentes, bem como nos lucros provenientes da especulação financeira resultantes dos investimentos financeiros das empresas. Por outro lado, a UE deverá promover uma feroz perseguição judicial à fuga de capitais, os quais, estima-se, em cerca de 3 por cento do PIB, para os offshores, pressionando as respectivas instituições financeiras a revelarem os detentores das contas (os EUA têm-no feito com sucesso). Deste modo, seriam encontrados os recursos financeiros necessários para a implementação de um verdadeiro estímulo à economia sem agravamento do défice, levando ao mercado de trabalho milhões de pessoas que, de outro modo, não obterão emprego por muitos anos e muitas das quais nunca mais entrarão no mercado de trabalho."
A transcrição de excertos do texto de Domingos Ferreira pretende apenas demonstrar que não existe um modelo de pensamento único, submetido à ditadura do défice e alheio aos interesses dos povos. As opiniões e as alternativas existem, apesar do exíguo espaço que a comunicação social lhes concede. Trazer estas alternativas para o debate político é o contributo de todos aqueles que, como nós, não se revêem neste modelo neoliberal que nos têm vindo a impor.
Sem comentários:
Enviar um comentário