A injustiça avança hoje a passo firme.
Os tiranos fazem planos para dez mil anos.
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são.
Nenhuma voz além da dos que mandam.
E em todos os mercados proclama a exploração: isto é apenas o meu começo.
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem:
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos.
Quem ainda está vivo não diga: nunca.
O que é seguro não é seguro.
As coisas não continuarão a ser como são.
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados.
Quem pois ousa dizer: nunca?
De quem depende que a opressão prossiga? De nós.
De quem depende que ela acabe? Também de nós.
O que é esmagado, que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha?
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.
E nunca será: ainda hoje.
Bertold Brecht - "Elogio da Dialética"
(Tradução: Arnaldo Saraiva)
(Fotografia: Marc Riboud - "Mai 68")
Os custos e proveitos da liberalização dos despedimentos
ResponderEliminar«(…) entre o tudo, do está despedido à americana, e o ponto em que o País está em matéria de obstáculos ao despedimento há um espaço em que a mudança pode gerar uma sociedade menos desigual». No editorial de hoje do Jornal de Negócios, a jornalista Helena Garrido (HG) ensaia assim uma defesa da introdução de mudanças adicionais na legislação laboral. O recurso à retórica do ‘no meio é que está a virtude’ esconde mal a fraqueza da argumentação utilizada - algo a que HG não nos habituou ao longo dos anos.
Escreve HG que, face à legislação existente, a «racionalidade económica ditava obviamente que o empregador reduzisse ao mínimo o número de empregados que não poderia despedir quer por ser muito caro, quer por não encontrar razão na lei. A precariedade foi aumentando e hoje poucos são os que se podem sentir efectivamente seguros no seu posto de trabalho.»
Ou seja, para HG a generalização dos contratos atípicos em Portugal, praticamente sem paralelo na Europa, não tem nada a ver com a falta de fiscalização ou com a atitude laxista das autoridades. É que a racionalidade das empresas não existe no abstracto: quem teme penalizações, não prevarica. Se as leis fossem cumpridas, a maioria dos contratos atípicos não existiriam. E, ao contrário do que o senso-comum dos economistas do jornal das oito sugere, ainda está por provar que as empresas deixariam de contratar por isso.
Escreve ainda HG que a «regra do "está despedido" sem mais é, do ponto de vista frio e estrito da racionalidade económica, aquela que melhor servia os objectivos de cada uma das empresas”. Aqui, HG ignora duas lições básicas da Economia do Trabalho: primeiro, a fragilidade dos vínculos laborais constitui um desincentivo ao investimento em capital humano específico por parte de empresas e de trabalhadores, com impactos negativos na produtividade empresarial; segundo, a facilidade de ‘ajustamento’ das empresas ao ciclo económico através da 'variável emprego' pode ser um presente envenenado – se todas as empresas se apressarem a despedir em momentos de crise, tal implicará uma queda mais rápida da procura agregada, com prejuízo... para todas as empresas.
HG apressou-se a alinhar por um discurso com uma sustentação científica e empírica questionável, que serve os interesses de quem está apostado na pressão sobre o factor trabalho como solução para o país. Faria melhor em atender às conclusões a que sistematicamente chegam os estudos sobre os factores de competitividade da economia portuguesa (como este, da consultora Ernst & Young, baseado num inquérito a investidores internacionais), os quais nos dizem que a flexibilidade do mercado de trabalho não é um problema em Portugal.
Num dos países desenvolvidos com mais baixos níveis de qualificações da população e uma estrutura produtiva dominada por grupos económicos que fogem como o diabo da cruz de actividades transaccionáveis, insistir que os nossos problemas se resolvem com a alteração de uma relação contratual que é já desequilibrada a favor do empregador não parece muito sensato. Nem parece sensato defender que se resolve o problema da segmentação do mercado de trabalho sujeitando todos à mesma precariedade. Mesmo quando é HG que o sugere. Mesmo quando procura convencer-nos que anda em busca do meio virtuoso.
Postado por Ricardo Paes Mamede às 19.1.11