"A “esquerda” que se sujeita e a direita que mente", um excelente texto de José M. Castro Caldas, publicado no imprescindível Ladrões de Bicicletas:
Parece-me que ganhamos alguma coisa se olharmos para a nossa crise política como resultado e início de uma nova fase, directamente política, da (Des)união Europeia em construção.
De Maastricht a Lisboa, a União Europeia trancou-se numa constituição e em tratados internacionais que procuravam tornar praticamente inviável qualquer alternativa que não seja a que “os mercados globais” determinam. A intenção era exactamente essa. Se alguma coisa caracteriza o liberalismo bastardo dos nossos dias é precisamente o seu desdém pela democracia e o propósito confessado de “libertar a economia” da política. Sabemos aonde isso nos levou, mas não aprendemos, ainda.
Paradoxalmente, essa arquitectura constitucional foi desenhada com a activa participação, quando não com o entusiasmo, da social-democracia europeia. Muitos socialistas portugueses dizem hoje reconhecer e lamentar essa deriva neoliberal da social-democracia.
O nó górdio da camisa de onze varas europeia situa-se na total dependência dos estados quanto às suas necessidades de financiamento das mega-instituições financeiras chamadas mercados (bancos e fundos de investimento). A mentira mais bem sucedida dos nossos dias condensa-se numa frase: “o dinheiro não cai do céu”. É verdade que para as famílias e para cada um de nós “o dinheiro não cai do céu”, mas na realidade o dinheiro cai do céu para os bancos: ele é criado pelos bancos, em última análise pelos bancos centrais. Acontece que os tratados, contrariamente ao que sucede por exemplo nos EUA, impedem o Banco Central Europeu de financiar os estados directamente, deixando-os entregues às instituições financeiras que por sua vez são generosamente financiadas pelo BCE para adquirir títulos de dívida soberana que depois o BCE recompra (nos mercados secundários) ou aceita como garantia de novos créditos. A ideia é simples: sujeitar os estados à “disciplina dos mercados” que é o mesmo que dizer impedir os estados de disciplinar os mercados.
Quando a crise bancária e a recessão chegou à Europa o dinheiro caiu do céu a rodos sobre os bancos, os “estabilizadores automáticos” dispararam, pacotes de estímulo orçamental foram adoptados, e as despesas e as dívidas públicas aumentaram, como não podia deixar de ser. Tudo isto foi decidido em cimeiras do G20 e da União Europeia e estaríamos bem pior se não tivesse sido, não exactamente assim, mas parecido.
Mas, ao primeiro sinal vindo da Grécia de que “os mercados” estavam relutantes em financiar os estados, e à falta de uma alternativa que os permitisse substituir, a “disciplina dos mercados” impôs-se ao bom senso e a Europa iniciou a viragem austeritária. A UE tirou o tapete aos estados endividados e os mais pequenos e vulneráveis (nem sempre os mais endividados) ficaram com a batata quente nas mãos. Agora, contrariada, a EU reinterpretava os tratados para permitir que o BCE comprasse dívida pública aos bancos e para providenciar a “ajuda” aos estados falidos. Mas, sob o signo da austeridade, a “ajuda” prestada à Grécia e à Irlanda veio a revelar-se letal.
É claro que se a camisa de onze varas não fosse o que é teria havido outro caminho: políticas orçamentais e monetárias amigas da recuperação, investimento público, até que os níveis de desemprego dessem sinais de abrandamento e a redução dos défices e da dívida pudessem ter lugar sem nova recessão. Agora todos sabemos, incluindo os nossos austeritários sem vergonha, que não há solução para a dívida que não passe pelo crescimento e que não há crescimento com esta dose austeritária.
O austeritarismo é na realidade todo um programa de destruição dos serviços públicos, dos direitos laborais, do Estado Social e a crise a oportunidade para o executar. É um programa incompatível com os valores mais básicos da esquerda, de que nenhuma força política de esquerda, ou vagamente de esquerda, pode ser executante sem que com isso se suicide. É também um programa que violenta algumas das aspirações mais sentidas da maioria dos europeus que nenhuma força política de direita pode assumir sem que com isso perca a menor das hipóteses de vir a governar em democracia.
Em resumo, o austeritarismo – o programa político que “os mercados globais” determinam – condena à morte qualquer “esquerda” que a ele se queira submeter e obriga a direita a ocultar as suas intenções sob uma retórica justicialista ou nacionalista. Forçados a “escolher” entre uma “esquerda” que se sujeita “aos mercados” (e não os sujeita) e uma direita hipócrita, só podemos desesperar da política. A “esquerda” que se sujeita afunda-se para ser substituída pela direita que mente enquanto a mentira não se torna patente para voltar a “esquerda” que se sujeita com promessas que não pode, ou nem mesmo quer, cumprir. O tempo político comprime-se. Os ciclos políticos tornam-se cada vez mais curtos. Isto é aquilo a que deveremos talvez chamar ingovernabilidade.
Os chamados países periféricos da zona euro (e com eles toda a União Europeia) estão a ser empurrados para um trilema: ou se deixam transformar em protectorados com “governos” de turno efémeros, de direita ou de “esquerda”, a executar o programa austeritário até que a recessão, a divergência e a bancarrota os separe do continente; ou partem eles próprios à aventura; ou não se sujeitam e, coordenadamente entre eles e com outras esquerdas europeias que não se sujeitam, conseguem inflectir o rumo suicidário que foi imposto à Europa.
Por mim prefiro a reconstrução europeia e uma esquerda que não se sujeite em Portugal e que dê prioridade à construção de uma esquerda europeia que não se sujeita, representando-a em Portugal. Uma esquerda que tenha a sabedoria necessária para evitar as recriminações contra os que têm tido a coragem e a energia de dar o melhor de si e seja capaz de nos oferecer um lugar político abrangente e suficientemente poderoso para além da “esquerda” que se sujeita e da direita que mente.
Bloco adverte para tentativa de “eleições a fingir”
ResponderEliminarProposta de formar uma “grande coligação” de governo PSD-PS com o CDS defraudaria os eleitores. “A solução para o país não é juntar PS e PSD para a política do FMI e para o empobrecimento dos trabalhadores, dos reformados, dos jovens precários”, diz Louçã.
Artigo | 27 Março, 2011 - 13:41
Bloco de Esquerda irá fazer uma campanha eleitoral “pela positiva, mobilizadora, que responda ao risco da bancarrota com a mobilização das forças, o combate ao privilégio fiscal, concentrando-se na prioridade que é uma economia para o emprego”. Foto de Paulete Matos
Francisco Louçã criticou este sábado a proposta cada vez mais citada de formar uma “grande coligação” de governo do PSD com o PS e o CDS, o que tornaria todo o processo eleitoral numas “eleições a fingir”.
“O que é muito evidente é que há hoje uma proposta do PSD de formar uma grande coligação que abrange o Partido Socialista e o CDS; e que há também no Partido Socialista cada vez mais vozes – começou com Luís Amado dentro do próprio governo e agora tantas outras pessoas – de que as eleições sejam a fingir, para depois se entenderem”, disse o coordenador do Bloco de Esquerda aos jornalistas em conferência de imprensa após a reunião da mesa nacional.
Louçã lembrou que se o PS já arruinou o país, com as políticas de recessão, e que o PSD já fez o mesmo no passado. Por isso, “a solução para o país não é juntar PS e PSD para a política do FMI e para o empobrecimento dos trabalhadores, dos reformados, dos jovens precários”, disse, recordando o entendimento recente para aprovar o Orçamento de 2011.
“As pessoas sabem que se hoje há congelamento das pensões, os mais idosos estão a empobrecer, se há a promoção da precariedade e do trabalho temporário e se há um aumento de impostos com redução de salários é porque PS e PSD se entenderam sobre isso. A bancarrota é construída pelo que o PS e PSD andam a fazer”, defendeu.
Bloco fará campanha eleitoral pela positiva
O Bloco de Esquerda irá fazer uma campanha eleitoral “pela positiva, mobilizadora, que responda ao risco da bancarrota com a mobilização das forças, o combate ao privilégio fiscal, concentrando-se na prioridade que é uma economia para o emprego”, revelou.
Na reunião da Mesa Nacional, o Bloco de Esquerda decidiu demonstrar na campanha que “é possível e necessário ter uma reforma fiscal que mobilize os recursos e a capacidade da economia do país para proteger os reformados, para dar soluções para os jovens precários, para trazer emprego e para que a economia no seu todo possa sair desta recessão e deste desastre”, esclareceu Louçã.
Moção de censura foi acertada
O coordenador do Bloco considerou que os acontecimentos vieram dar “razão” ao conteúdo e oportunidade da moção de censura ao governo apresentada pelo partido no Parlamento.
“O Bloco foi muito criticado pela moção de censura, mas aqueles que nos criticaram sabem bem como tínhamos razão. Enquanto apresentávamos a moção, o Governo estava à socapa a terminar uma negociação em Bruxelas para este novo programa, para estender de um ano para três anos o congelamento das pensões, ou a redução dos salários e o aumento do desemprego”, apontou.
E concluiu: “Se é preciso que haja uma esquerda que traga soluções e respostas, percebe-se bem porque é que essa moção de censura em nome das gerações precárias, em nome dos jovens precários e dos desempregados de longa duração, foi tão importante, teve tanto eco na sociedade portuguesa, mobilizou tanta gente”.
Agora a decisão será do povo
ResponderEliminarO Bloco vai para mais esta importante batalha política certo de que enquanto PS e PSD se revezarem no poder ou se se unirem em “grande coligação” a saga sem fim do austeritarismo será lei.
Artigo | 27 Março, 2011 - 12:00 | Por José Manuel Pureza
A Assembleia da República rejeitou o PEC IV. O Bloco de Esquerda contribuiu, como era seu dever, para esta rejeição. Fizemo-lo porque, como dissemos, sendo a consolidação orçamental um imperativo, ela não pode constituir um pretexto para um ataque sem precedentes contra o trabalho, os serviços públicos e, portanto, a democracia. E era disso que se tratava: o embaratecimento humilhante dos despedimentos tem efeito zero nas contas públicas e, no entanto, foi escolhido pelo governo como elemento emblemático deste PEC. Mostrar uma disponibilidade de 3.000 milhões de euros para a recapitalização que os bancos não querem assumir, ao mesmo tempo que congela pensões ou corta no Serviço Nacional de Saúde, foi a marca de água que o governo imprimiu ao PEC que rejeitámos.
José Sócrates demitiu-se acusando as oposições de irresponsabilidade. Tínhamos dito nas nossas Jornadas Parlamentares, realizadas no início desta semana em Torres Novas, que não é por se abrir uma crise política que o FMI entra em Portugal, é precisamente devido às políticas do FMI a prestações que nos governam que se abre uma crise política. PEC após PEC, tem sido a receita FMI para a economia e a sociedade portuguesas que tem sido adoptada.
Agora a decisão será do povo. O Bloco vai para mais esta importante batalha política certo de que enquanto PS e PSD se revezarem no poder ou se se unirem em “grande coligação” a saga sem fim do austeritarismo será lei. E Pedro Passos Coelho tardou poucas horas a dar-nos razão, prometendo aumento imediato de um imposto cego como o IVA se formar governo. A lógica de fatalidade do bloco central é um inimigo poderosíssimo. Mas podemos vencê-lo. À luta dos professores contra o modelo de avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues também se vaticinou incapacidade de ir avante. E venceu, esta sexta feira, sob impulso parlamentar do Bloco de Esquerda.
Subcontratação, precariedade e insegurança no sector nuclear
ResponderEliminarTrabalhadores subcontratados fazem o trabalho mais perigoso, recebem salários menores, suportam doses bem acima de qualquer um dos funcionários da central. E acontecem acidentes.
Artigo | 27 Março, 2011 - 12:14 | Por Rui Curado Silva
Os trabalhadores subcontratados têm responsabilidades fundamentais de segurança, responsabilidades essas que deveriam ser dos quadros da central.
Os três trabalhadores japoneses contaminados – dois deles hospitalizados – por uma fuga de água altamente radioactiva no reactor 3 da central de Fukushima eram trabalhadores subcontratados. Os avisos dos respectivos dosímetros não foram respeitados, tendo os trabalhadores sido sujeitos a doses entre os 170 e os 180 mSv, perto da dose limite diária de 250 mSv para a qual se verificam sintomas físicos imediatos.
Desde o início das operações de controlo da temperatura dos reactores, 14 trabalhadores da Tepco receberam doses acima dos 100 mSv, a dose limite típica a que um trabalhador do sector nuclear poderá estar sujeito durante um ano. A estes juntam-se mais de uma dezena de trabalhadores feridos e um morto aquando das explosões dos edifícios dos reactores.
Todos estes acidentes aconteceram num quadro de operações de urgência e de desespero, em que as regras de segurança deixam de ser uma prioridade, onde o voluntarismo inconsciente anda de mão dada com a falta de transparência de quem dirige as operações.
Em Chernobyl também foi assim, embora a escala fosse outra. Cerca de 500 mil “liquidadores” – assim apelidados os bombeiros, os militares e todos os civis que participaram nas operações após o acidente – estiveram sujeitos a doses de radiação extremamente elevadas. Foram mais de 4 mil os que morreram como consequência directa da irradiação, dezenas de milhares contraíram doenças crónicas que os incapacitaram para sempre e que provocaram a sua morte prematura através de causas indirectas, não relacionadas com a radiação em si. Poderia pensar-se que os trabalhadores das centrais nucleares só estão sujeitos a estes níveis de perigosidade nos casos excepcionais em que ocorrem acidentes muito graves. Infelizmente assim não é.
Recentemente uma reportagem da La Une belga denunciou uma situação intolerável de subcontratação de trabalhadores no sector no nuclear (começa aos 1:18:30 do vídeo do programa disponível na internet). Estes trabalhadores fazem o trabalho mais perigoso, recebem salários pouco superiores ao salário mínimo, suportam doses bem acima de qualquer um dos funcionários da central e como se pode verificar na reportagem têm acontecido acidentes (1:23:10 de programa) incapacitantes para estes trabalhadores, que posteriormente não têm quem acusar nos tribunais.
Não admira que as estatísticas de saúde dos funcionários permanentes da central revelem excelentes resultados, não são estes quem faz o trabalho sujo, em especial as entradas no ambiente altamente radioactivo dos reactores durante as paragens para manutenção. Grave também é verificar que são atribuídas a estes trabalhadores subcontratados responsabilidades fundamentais para a segurança da central, responsabilidades essas que deveriam ser dos quadros da central, e mais preocupante ainda é constatar a pressão a que estes trabalhadores estão sujeitos para produzir bons, embora falseados, relatórios de segurança
Cortar gastos com desemprego elevado é um erro, diz Krugman
ResponderEliminarO Prémio Nobel da Economia cita Portugal como um exemplo deste erro. Prioridade deveria ser criar empregos. Corte de gastos numa economia em depressão profunda é contraproducente, mesmo em termos puramente fiscais.
Artigo | 26 Março, 2011 - 03:38
Defensores dos cortes orçamentais “querem punir os desempregados”, diz Krugman, que prevê: “os contos de fadas sobre a confiança não nos salvarão das consequências dos nossos disparates”. Foto de Taekwonweirdo
Na sua habitual coluna no The New York Times, o Prémio Nobel da Economia Paul Krugman cita Portugal como um exemplo do erro que consiste em reduzir a despesa pública quando existe um desemprego elevado.
O exemplo da queda do governo português devido à questão da austeridade é citado ao lado do exemplo irlandês, onde os juros da dívida ultrapassaram pela primeira vez os 10%, e do Reino Unido, que reviu para baixo a sua previsão económica e para cima a previsão de défice.
O que estes países têm em comum, diz Krugman, é que estão a demonstrar “que cortar gastos numa situação de desemprego elevado é um erro”. Os que defendem a austeridade, observa o Nobel da Economia, “previram que cortar gastos traria dividendos rapidamente na forma de aumento de confiança, e que haveria poucos, se algum, efeitos adversos sobre o crescimento e o emprego; mas eles estavam errados”.
Para o economista, os problemas deveriam ser enfrentados em sequência, com uma concentração imediata na criação de empregos, combinada com uma estratégia de longo prazo de redução do défice.
“Por que não reduzir os défices de imediato?”, questiona Krugman. E responde: “Porque os aumentos de impostos e cortes nos gastos públicos iriam deprimir ainda mais as economias, agravando o desemprego. E o corte de gastos numa economia em depressão profunda é contraproducente, mesmo em termos puramente fiscais: qualquer economia obtida é parcialmente contrabalançada pela menor receita, e a economia encolhe”.
O Prémio Nobel da Economia lamenta que a estratégia que recomenda tenha sido “abandonada perante riscos inexistentes e esperanças infundadas”.
Depois de descrever o clima político existente nos EUA como um em que os defensores dos cortes orçamentais “querem punir os desempregados”, Krugman prevê: “os contos de fadas sobre a confiança não nos salvarão das consequências dos nossos disparates”.